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- MOBILIDADE PARA IDOSOS OU MAIS UM EMPURRÃOZINHO PARA A (O)FROTA?
O envelhecimento da população brasileira já é um fato incontornável. Segundo o IBGE, a expectativa é que, até 2030, o número de pessoas com mais de 60 anos ultrapasse o de crianças de até 14. Isso exige uma revisão urgente das políticas públicas voltadas à mobilidade urbana — especialmente quando falamos de autonomia, segurança e qualidade de vida para os idosos . É nesse contexto que entra o Projeto de Lei 2937/2020 , proposto pelo deputado Alexandre Frota (PSDB/SP) . O PL prevê a isenção do IPI na compra de veículos zero quilômetro por pessoas com 60 anos ou mais , com o objetivo de tornar o carro novo mais acessível a esse público que cresce em número e relevância. Um impulso à mobilidade para idosos? Do ponto de vista da autonomia individual , a proposta pode representar um avanço. O carro, para muitos idosos, ainda é sinônimo de independência , especialmente em cidades médias e pequenas onde o transporte público é escasso, ineficiente ou hostil às necessidades da terceira idade. Ir ao médico, visitar amigos, fazer compras ou simplesmente passear pode deixar de ser um desafio logístico e emocional. Além disso, ao facilitar o acesso ao veículo próprio, o PL pode contribuir para reduzir a dependência de terceiros , como filhos, netos ou motoristas de aplicativo, promovendo bem-estar e autoestima. Mas... e os impactos coletivos? Por outro lado, a isenção do IPI sem critérios adicionais pode gerar consequências indesejadas para a mobilidade urbana como um todo . Mais carros nas ruas significam mais congestionamentos , mais poluição e maior pressão sobre o já saturado sistema viário das grandes cidades. Há também a questão da segurança no trânsito : embora muitos idosos conduzam com responsabilidade, o avanço da idade traz desafios naturais — como perda de reflexos, de visão periférica e de rapidez na tomada de decisão. E nem todos os idosos se beneficiariam da medida: aqueles com baixa renda ou que não têm carteira de habilitação seguirão dependendo do transporte coletivo — muitas vezes precário e excludente. Sem um olhar mais criterioso, o projeto pode acabar reforçando desigualdades dentro do próprio grupo etário , beneficiando apenas os que já têm algum poder de compra. Uma política que estaciona na contramão? É fundamental lembrar que mobilidade urbana não é só sobre carro . Uma política pública comprometida com o bem-estar da população idosa deveria também investir em: transporte público gratuito e acessível, calçadas niveladas e com rampas, faixas de pedestres seguras, bancos em pontos de espera, e campanhas de educação no trânsito voltadas para todas as idades. Dar incentivos fiscais para compra de carro pode parecer uma solução fácil, mas ela não substitui uma política de mobilidade inclusiva e sustentável . E no fim das contas… Se o PL 2937/2020 for aprovado como está, é possível que vejamos mesmo uma enxurrada de carros novos nas ruas — todos devidamente isentos de IPI e, talvez, com um “adesivo de terceira idade” colado no para-brisa. Ainda que mobilidade para idosos seja um assunto sério, no fim das contas, essa notícia parece até piada pronta: o nome do autor do projeto não poderia ser mais apropriado. Se depender dele, a FROTA sem dúvidas vai crescer. E muito!
- TRANSBET: O FUTURO DO TRANSPORTE PÚBLICO
Enquanto assistia ao jogo do meu time — e passava raiva, como de costume — fiquei espantado com a quantidade de empresas de apostas estampadas na camisa dos jogadores. Tinha tanta bet envolvida que parecia que a partida estava sendo transmitida direto de Las Vegas. Foi aí que tive uma epifania: e se existisse uma bet do transporte público ? Senhoras e senhores, apresento-lhes a TransBET — Girar a roleta nunca foi tão lucrativo! A primeira plataforma de apostas especializada no imprevisível, emocionante e sempre surpreendente universo do transporte coletivo brasileiro. Afinal, se a vida no transporte público já é um jogo de sorte e paciência, por que não lucrar com isso? Na TransBET, você pode apostar em modalidades como: Atrasômetro : Acerte quanto tempo o ônibus das 7h vai atrasar. (Bônus para quem cravar os minutos e a desculpa do motorista.) Encosto Premiado : Quantos encostos quebrados haverá no vagão do metrô das 18h? (Dica: aposte sempre em número ímpar.) Pega-Pega no Terminal : Qual linha vai ser a campeã em correria até a plataforma? (A Linha 209 — "Zona Leste via Desespero" — costuma ser favorita.) Desafio da Porta : Quantas tentativas serão necessárias para que a senhora com cinco sacolas consiga entrar no ônibus lotado sem perder a dignidade? Bingos dos Avisos Sonoros : Complete a cartela com frases como “Este ônibus está fora de serviço”, “Favor liberar a porta traseira” e o clássico “Não insista, motorista não tem troco”. Rodei o Bilhete : Aposte em quantas vezes o passageiro vai encostar o cartão errado até perceber que está tentando pagar com o crachá da firma. E tem mais! Toda sexta-feira, rodada dupla com o "Desafio do Fiscal Fantasma" — acerte em qual ponto ele aparecerá (se aparecer). Chance de dobrar o prêmio se ele estiver de fone de ouvido e fingindo que não viu ninguém. Para os apostadores de elite, temos a modalidade VIP: “Travou ou Só Está Pensando?” , onde você aposta se o ônibus parado há 15 minutos no meio da avenida está quebrado ou apenas refletindo sobre a vida. Em breve, teremos transmissão ao vivo com comentaristas especializados em buzina, freadas bruscas e barracos na roleta. E claro, nosso mascote: o Zé da Catraca , sempre pronto pra virar o jogo (ou pelo menos a roleta). Brincadeiras à parte, especialistas alertam em pesquisa feita pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) que 10,9 milhões de pessoas fazem uso perigoso de apostas no Brasil. Lembrando que o vício em jogos de azar e em jogos eletrônicos ( gaming disorder ) são classificados no CID-11 ( classificação internacional de doenças e problemas relacionados à saúde, criada pela OMS) como transtornos de saúde mental . Quem sabe só assim, com essa loucura por bets que se instalou na nossa sociedade, com o auxílio do TransBET, consigamos enfim mais alguns adeptos ao transporte público?
- LOGÍSTICA URBANA E SEUS IMPACTOS PARA A MOBILIDADE
Enquanto trabalhava na organização do IV Nuitran Debates , evento online que visava debater sobre “Os Desafios da Logística Urbana para a Mobilidade Humana”, o colega André Rabello, da mesa ao lado à minha, comentava sobre a escolha do tema que, confesso, apresentava-se, até então, completamente novo para mim. Com o crescimento desordenado da população nos grandes centros urbanos e, principalmente, com o crescimento do comercio eletrônico, cresce também a demanda por entregas nesses espaços cada vez mais congestionados. Por isso, discussões sobre o tema têm se mostrado cada vez mais necessárias. Para contornar essa problemática, algumas empresas, como a Amazon, têm se destacado através de inovações, como Armazéns urbanos , instalações menores com melhor localização, permitindo assim que a distribuição seja mais ágil e rápida; Pontos de retirada , como os sistemas de “compre online e retire na loja”, e as opções de armários em espaços públicos e chaves inteligentes em casas e carros ; Transporte alternativo , alguns países já utilizam o auxílio de “transportes limpos” para pequenas entregas nas áreas urbanas, veículos menores que apresentam melhor mobilidade na cidade, além de serem mais econômicos, como bicicleta, patinetes e agora os drones ; Entregas em horários alternativos , como em horário noturno, no qual encontra-se mais pessoas em casa e o trânsito nesse horário é mais tranquilo e; Tecnologias da logística 4.0 , por serem capazes de grande armazenagem de dados e prever demandas, estas tecnologias têm otimizado rotas, tempo e eficiência dos transportes e entregas. Recentemente já mencionei em outro artigo o quanto essa mesma tecnologia poderia nos auxiliar se aplicada ao transporte público. Mas, voltando à conversa com meu colega sobre o tema, em se tratando de tecnologia, não pude negar que, quando penso em tecnologia aplicada à logística, a primeira imagem que me vem à mente é a de uma cena como essa que compartilhei nas minhas redes sociais há alguns dias: Confesso que, mesmo sem conhecer o tema e suas definições, já refletia sobre essas questões há algum tempo. E se esse tipo de tecnologia fosse, de alguma forma, aplicada às cidades? Se a configuração urbana já previsse espaços para o escoamento de mercadorias? Se houvesse algum tipo de duto ou túnel que permitisse entregas automatizadas diretamente para cada residência? E enquanto sou invadido por essa enxurrada de pensamentos, uma ideia brota a partir do termo “automatizadas”. Classificado como um transporte da categoria APM ( Automated People Mover ), o Aeromóvel é um meio de transporte não-convencional devido ao fato de sua operação ser totalmente automatizada. E se substituíssemos da sigla APM o “P” de People , por um “P” de Products ? Mas seria o Aeromóvel um meio de transporte exclusivo para passageiros ou seria possível utilizá-lo também para o transporte de cargas? Para sanar essa dúvida, nada melhor que buscar quem mais entende do assunto. Saquei o celular e enviei uma mensagem ao amigo Marcus Coester, CEO da empresa e filho do saudoso Oskar Coester, inventor da tecnologia. Expliquei sobre a minha dúvida e ele, prontamente, respondeu que o Aeromóvel está apto para o transporte de cargas sim. Porém, cargas leves como containers. Para granéis e minério seria preciso estudar a economicidade. Justamente o que eu tinha em mente. Ele ainda complementou, contando que na África fora feito um estudo para utilização para a coleta de lixo durante a noite. Chegado o dia do evento, comentei sobre minha ideia e questionei sobre a possibilidade (ou intenção) de utilização dessa tecnologia para o transporte pela gestão municipal, seja de carga, seja de passageiros. A resposta que obtive do Coordenador de Assuntos Estratégicos da Secretaria Municipal de Mobilidade Urbana de Porto Alegre, responsável por temas como Plano de Segurança Viária Sustentável e Projeto Hidroviário, foi que, em algum momento, se cogitou uma linha do Aeromóvel para o transporte de passageiros, mas nunca para cargas. No entanto, tal proposta não obteve a apreciação da gestão. Não consigo pensar em opções, seja para o transporte de cargas ou de passageiros, mais seguras e sustentáveis que o Aeromóvel no momento. Mas, há certas decisões que fogem ao nosso entendimento e alcance político. É mais provável que, antes de vermos essa tecnologia se estabelecer na cidade, para além dos 900 metros que ligam o Aeroporto Salgado Filho à estação do Trensurb, construam até mesmo uma linha do Hyperloop ! Mais uma da série “ santo de casa não faz milagre “… Tem interesse pelo assunto? Gostaria de ler mais textos como esse? Então adquira agora o meu livro!
- ESTRELAS QUE (NÃO) SALVAM VIDAS
Imagem: Latin NCAP/Divulgação Recentemente, estreou mais uma temporada da série Black Mirror , da Netflix — e, como de costume, os episódios não decepcionam quem busca uma boa dose de ficção científica temperada com crítica social. Um dos capítulos que mais me marcou, ainda de temporadas anteriores, é Nosedive (ou Queda Livre ), em que todos os aspectos da vida de uma pessoa são avaliados por um sistema de pontuação por estrelas. Uma interação no elevador, um sorriso no café, um elogio — tudo conta para seu score social. E, claro, esse número determina sua posição na sociedade. Se parece exagerado, basta olhar ao redor. Nos tornamos dependentes de avaliações em praticamente todas as esferas da vida. Pedimos comida baseada nas estrelas do restaurante, escolhemos filmes por suas notas em plataformas de streaming, decidimos por um médico ou dentista pelo número de estrelinhas no Google, e seguimos essa lógica inclusive para selecionar motoristas em aplicativos de mobilidade como Uber e 99. E foi justamente em um grupo de WhatsApp sobre segurança viária que me deparei com uma avaliação que me causou certo espanto. Um amigo compartilhou o resultado do último crash test feito pelo Latin NCAP com o Jeep Renegade, um carro de uma marca que sempre associei à robustez e força. A surpresa? Apenas uma estrela na avaliação geral de segurança ( confira aqui ). A incoerência salta aos olhos: vivemos obcecados por estrelinhas em tudo, menos onde elas realmente deveriam importar — como na segurança dos veículos que dirigimos e em que transportamos nossas famílias. Curiosamente, poucos usuários de aplicativos de transporte preocupam-se com o nível de segurança do carro em que estão entrando. E mesmo na hora de comprar um veículo, a estética, o status e os recursos tecnológicos costumam pesar mais que a estrutura de proteção ou o número de airbags. São poucos os que consultam testes de colisão antes de fechar negócio. Enquanto isso, seguimos empolgados com itens como central multimídia, teto solar ou conectividade com smartphones. Em Nosedive , o personagem principal mergulha em uma espiral de perda de reputação até ser praticamente excluído da sociedade. Na vida real, ignorar avaliações de segurança pode nos levar a outro tipo de queda — literal e fatal. A pergunta que fica é: por que atribuímos tanta importância a avaliações superficiais, mas negligenciamos aquelas que podem, de fato, salvar vidas? Talvez esteja na hora de olhar para as estrelas certas — e cobrar da indústria automotiva, do governo e, sobretudo, de nós mesmos, mais responsabilidade nas escolhas que fazemos sobre mobilidade.
- CORRA PARA AS COLINAS: A INÉRCIA DE PORTO ALEGRE
Elevada do Viaduto da Conceição após a enchente. Centro de Porto Alegre (Maio de 2024) Ainda que exausto fisicamente, minha mente estava fervilhando. Assim como um doente precisa de remédio, precisava escrever. Após 10 horas de trabalho no auxílio aos voluntários que resgatavam os desabrigados da enchente, cheguei em casa com uma ideia fixa e duas músicas que têm sido praticamente trilhas sonoras que insistem em tocar num looping infinito na minha mente: Quando a Gira Girou, do Zeca Pagodinho, e Run to the rills , do Iron Maiden (sim, eu tenho gostos musicais beeem ecléticos!). Receba novas postagens direto no sue WhatsApp. Na canção da banda inglesa de heavy metal, composta em 1982, foi a primeira vez que lembro de ter ouvido a expressão "Corra para as colinas", a qual faz alusão à invasão das terras dos indígenas norte-americanos (peles vermelhas) pelos colonizadores (homem branco) e o contra-ataque do povo nativo. A origem exata do termo não é conhecida com certeza, mas sua associação mais famosa remonta aos filmes de faroeste, onde, frequentemente, os personagens alertavam uns aos outros para "correrem para as colinas" quando estavam em perigo, geralmente durante um ataque de índios ou de bandidos. A expressão ganhou popularidade e passou a ser usada em diversas situações para indicar a necessidade de se afastar rapidamente de algo perigoso ou desagradável, como a iminência de uma enchente, por exemplo. A maior enchente já registrada em Porto Alegre (RS) havia ocorrido em 1941, quando o Rio Guaíba, cuja cota de inundação é de 3 metros, chegou a uma altura de 4,76 metros, segundo registros da época, deixando cerca de 70 mil pessoas desabrigadas. O que parece pouco, comparando-se aos 5,3 metros alcançados pela enchente de 2024. No entanto, o trauma de 1941, ainda que devastador, pouco mudou na relação da cidade com o rio . Foi preciso uma nova inundação, desta vez em 1967, para que algo fosse efetivamente feito. Os efeitos da enchente de 1967 resultaram na criação do Sistema de Proteção Contra Cheias , inaugurado na década de 1970, que deveria proteger a cidade de cheias de até 6m , o que significa que se tudo estivesse funcionando como deveria, Porto Alegre estaria seca neste momento. Mas infelizmente não foi o que aconteceu. Das cinco maiores cheias do Guaíba registradas desde 1941, quatro ocorreram apenas nos últimos oito anos . As mudanças ocasionadas pelo aquecimento global, somadas às características hidrológicas do Rio Grande do Sul, contribuíram para as situações extremas que temos vivenciado, mas não foram as únicas. Especialistas alertam para a falta de manutenção nas estruturas de controle das águas. Para a arquiteta Mima Feltrin, se a tragédia de 1941 causou alguma surpresa, a de 2024 era fato anunciado. A pesquisadora defende que desde a década de 1970, cientistas brasileiros têm produzido estudos robustos sobre as inundações no estado. E desde os anos 2000, analistas avaliam que se houvesse uma convergência geográfica, hidrográfica e meteorológica poderia haver uma enchente igual ou superior a de 1941. "Estamos falando de, pelo menos, 25 anos de avisos ”, diz ela . A inércia diante dos fatos representa, para a arquiteta, uma estratégia política. “Aqui no Brasil a lógica é inversa. Gastamos cerca de 14 vezes mais com reconstrução do que com a prevenção de tragédias”. Será que para as tragédias vivenciadas diariamente no trânsito do país a mesma lógica se aplica? Diante do novo trauma, André Silveira, pesquisador do Instituto de Pesquisas Hidrológicas (IPH) da UFRGS, resume: “Está tudo igual a 1941, e 80 anos não mudaram praticamente nada. Vamos ter que começar tudo de novo. Espero que dessa vez aprendamos alguma coisa”. Caso a esperança do pesquisador André Silveira não venha a se concretizar, ficamos apenas com a sugestão do bom e velho Iron Maiden: CORRA PARA AS COLINAS! Fonte: Veja
- O EFEITO “TRANSFORMERS” EM TRÂNSITO
A partir dos anos que dediquei ao trânsito e à Psicologia, através de incontáveis experiências e reflexões e com o recurso de algumas obras cinematográficas e televisivas com as quais tive contato ao longo da minha vida, criei um ENSAIO SOBRE A HUMANIZAÇÃO DA MÁQUINA E A MECANIZAÇÃO DO HUMANO . Pensei no termo “Transformers” como forma de problematizar e discutir a respeito de um fenômeno recorrentemente observável nessa área. A analogia se refere à ficção criada em 1984 que conta a história de robôs alienígenas que possuem a habilidade de transformarem seus corpos em objetos inanimados como veículos, por exemplo. Receba novas postagens direto no seu WhatsApp. Tal relação me parece bastante apropriada, concordando com o posicionamento de Fernanda de Souza da Costa e Silva em sua dissertação, HOMEM-MÁQUINA: imaginários tecnológicos e reinvenções do corpo e da mente, quando afirma que, tendo como base os meios comunicacionais e artísticos, através de amostras de produções literárias, cinematográficas e televisivas, o homem demarca e remarca sua posição no mundo. Esses tipos de obras, particularmente falando, sempre me proporcionaram importantes contribuições reflexivas a respeito das formas que nos portamos e do espaço que ocupamos no mundo. Portanto, creio que essas tecnologias semióticas, sejam elas literárias, cinematográficas ou televisivas, são de grande importância, pois auxiliam como “dispositivos de produção de mitos, visões de mundo e de estilos de vida”. O título, a princípio, foi pensado como O efeito “Transformers” no trânsito , utilizando a combinação de preposição e artigo como simples forma de definir o universo no qual tal efeito fora observado. No entanto, com alguma reflexão, tal uso me pareceu um tanto quanto simplório diante da diversidade de sentidos que a palavra “trânsito” suscita. Além de um local destinado à locomoção, não só de veículos, mas de pessoas, o termo ainda traz consigo alguns outros importantes sentidos. Dessa forma, o termo “em trânsito” me pareceu mais adequado por dar a impressão de movimento, de mudança, de transformação. Assim, ao efeito observado, se dá o caráter de algo que não está dado, mas que vem se configurando, que está em trânsito, em transformação, para o qual se pode inferir um ponto de partida, mas não tem necessariamente um destino ou um fim que se possa predizer ou premeditar como sendo seu ápice. Para melhor ilustrar tal relação, o presente ensaio foi construído a partir de duas linhas centrais, que seguem paralelamente, entretanto em sentidos opostos, como vias de mão dupla. De um lado dessa via transita um ser humano “mecanizado”, seja no sentido físico do termo, ou seja, onde, a partir dos crescentes avanços tecnológicos, o homem dispõe da possibilidade cada vez maior de utilizar desses recursos tecnológicos em prol do seu bem estar; ou seja, no sentido subjetivo, quando se percebe uma sociedade cada vez mais homogeneizada, com padrões individualistas e competitivos, intolerante às diferenças, que no trânsito, se não ignora, vê como inimigo o condutor ao lado e, por isso, torna-se incapaz de ter sentimentos como empatia, compaixão ou mesmo respeito para com o outro. De outro lado o veículo, que de simples ferramenta ou utensílio destinado à locomoção e transporte, passou a tomar status socialmente diferenciado, ao passo que alguns autores chegam a apontá-lo como um prolongamento do próprio corpo do condutor. Neste sentido vou mais adiante, permitindo-me afirmar que, com a cultura midiática capitalística que se formou em torno do automóvel, com os crescentes e constantes implementos tecnológicos aos quais esses mesmos veículos são submetidos e, principalmente, com o advento da Robótica e da Inteligência Artificial, ele está cada dia mais humanizado. Desta forma, se o que a priori diferenciava o sujeito humano da máquina era a capacidade de apresentar sentimentos, este limiar passa a ser cada vez mais tênue, criando no abismo existente entre homem e máquina um movimento convergente que tem os aproximado a cada dia. Em suma, esse ensaio tem como objetivos, além de uma crítica às atuais contribuições (ou falta delas) da Psicologia para com a área do trânsito, a problematização da relação entre sujeito humano e máquina – mais especificamente o carro, os processos de subjetivação derivados dessa relação e suas consequências para o trânsito. Diante do atual cenário tecnológico, já não me parece mais possível discernir “onde termina o humano e onde começa a máquina?” Ou ainda: “onde termina a máquina e onde começa o humano?”. A existência do ciborgue não nos intima a questionar sobre a natureza das máquinas, mas sim sobre a natureza do humano: afinal, quem somos nós? Tem interesse pelo assunto? Gostaria de ler mais textos como esse? Então adquira agora o meu livro!
- O MENINO QUE SONHAVA DIRIGIR UM ÔNIBUS
Quem nunca teve um sonho de infância? Quando eu era criança, por muitos anos, sonhei em ser motorista de ônibus. Não era um desejo passageiro. Era sonho mesmo — com direito a volantes imaginários feitos com os cabides de roupa ou com as bacias da minha mãe; sons dos diferentes motores imitados com a boca, por vezes mais barulhentos quando o motor era dianteiro, por vezes mais silenciosos quando o motor era traseiro; e olhos atentos aos espelhos que só eu via. Tinha um vizinho que era motorista de uma empresa de transportes. Nos finais de semana, ele estacionava o ônibus da empresa na frente de casa e, generosamente, me deixava brincar dentro do veículo. Aquilo era um parque de diversões particular. Eu me sentava no banco do motorista, girava botões, simulava paradas. Sentia, ali, um tipo de poder manso: o de conduzir, o de levar os outros com segurança ao destino. Era como se aquele ônibus me ensinasse, sem palavras, que ser adulto era isso — guiar com responsabilidade. Hoje entendo melhor. O ônibus era mais que um brinquedo gigante: era metáfora do que eu buscava. Desde pequeno, queria ser adulto logo. Ter autonomia, poder escolher meu caminho, assumir responsabilidades. O ônibus representava isso. E também rotina, previsibilidade, horário certo, itinerário claro. Características que sempre valorizei e que, até hoje, guiam meus passos. Nunca realizei esse sonho de verdade — ao menos, não no sentido literal. Mas cheguei perto. Fui cobrador de ônibus por um tempo. Vi o trânsito de dentro, escutei as histórias que sobem e descem com as pessoas, entendi o vaivém da cidade com outro olhar. E o fascínio pelo trânsito ficou. Cresceu comigo. Hoje, não dirijo ônibus. Mas sigo envolvido com trajetos. Dedico meu trabalho a entender por que as pessoas se deslocam, como se deslocam e por que, às vezes, até se perdem, por que certos destinos se tornam armadilhas. Troquei o volante pela escuta, a catraca pela palavra. Mas continuo, de certo modo, ajudando a conduzir. O menino que sonhava dirigir um ônibus não realizou exatamente o que queria. Mas talvez tenha conseguido algo ainda mais bonito: transformar o sonho de conduzir pessoas em propósito de vida. Realize o seu sonho! Torne-se motorista de Transporte Coletivo!
- RECALCULANDO ROTAS…
Procurei, não apenas nesse texto, mas em toda a minha trajetória acadêmica e profissional, entender porque razões o trânsito veio a tornar-se da forma como o conhecemos, configurando atualmente um preocupante problema de saúde pública. A priori, me pareceu importante resgatar essa que é uma questão crucial e recorrente não apenas nas minhas escritas, mas da própria Psicologia: afinal, quem somos nós? Em contraponto às definições herdadas do ideal moderno, há atualmente algumas concepções que questionam a nossa imagem ocupando, como seres humanos, uma posição especial ou de destaque perante as outras espécies. A desconstrução desse ideal acaba por produzir um crescente reconhecimento das semelhanças entre homem e máquina. Tais semelhanças provocam o surgimento de conceitos como o pós-humanismo, que, embora dê margem para interpretações anti-humanistas e que corroboram com o antigo desejo onipotente de superação do corpo humano, faz refletir a respeito da concepção híbrida do sujeito contemporâneo, que afeta e é afetado pelo não humano, quebrando com o paradigma antropocêntrico moderno. E é exatamente essa parte não humana que me interessou aqui, pois, a partir dela, pode se compreender a subjetividade de forma heterogênea. Para Guattari ¹ , a subjetividade é produzida através de agenciamentos que não podem ser qualificados apenas como humanos, mas maquínicos. Para o autor, conceito de máquina, de onde deriva o termo maquínico, surge com o propósito de substituir o de estrutura, remetendo à ideia de produção, processualidade, singularização, de produção da diferença ou diferenciação. No entanto, é importante distinguirmos aqui o conceito de maquínica e mecânica. A mecânica, segundo Guattari, é relativamente fechada em si mesma, mantendo com o exterior somente relações perfeitamente codificadas, ou seja, serializadas, homogêneas, da ordem de um dualismo, de ação e reação, de uma redução da complexidade das questões que envolvem a subjetividade. Já a maquínica não se basta a si mesma, não se fecha em limites que demarcam territorialidades a parte dos agenciamentos sociais, ambientais, tecnológicos e estéticos, ela se abre para as processualidades com o mundo, seja físico ou corporal, seja invisível ou incorporal. Assim, a subjetividade maquínica é engendrada a partir da autoprodução, da produção autônoma de subjetividade, de uma autopoiese. A partir disto, me parece justificável o uso do termo “mecanização do humano”. Pois, quando somos atravessados por uma sociedade capitalista midiática, que preconiza uma homogeneização quase mecânica das subjetividades, todo aquele que não responde a certos padrões pré-estabelecidos dentro de uma “normalidade” acaba por ser negado. Visto isso, me pus a questionar: qual a contribuição da Psicologia para que essa condição se reproduza? A psicologia, desde o final do século XIX, que tem sua origem nos laboratórios de Wunt, ganhou força entrando no respeitado hall das ciências modernas, disseminando seus saberes. No trânsito não poderia ser de outra forma. A trajetória histórica da psicologia sugere uma atuação voltada para a avaliação psicológica utilizada para o processo de habilitação de condutores, com a finalidade de identificar características psicológicas que poderiam constatar condições prévias para o exercício da atividade de dirigir. No entanto, o processo de Avaliação Psicológica para a obtenção da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) é amplo e envolve informações que são coletadas através de diversas estratégias, como entrevista psicológica, testes psicológicos, observações técnicas que o psicólogo julgar importante serem consideradas. A utilização de testes psicológicos, embora sejam instrumentos importantes, é somente uma das estratégias possíveis neste processo. Porém, a atual expectativa quanto à participação da Psicologia na avaliação de trânsito ainda consiste, predominantemente, na aplicação de testes, como o famoso “HTP” (Casa, Árvore, Pessoa), no qual segundo a sabedoria popular, como bem lembra o psicólogo Jarbas Dametto ² , “deve-se sempre desenhar o chão!”. Assim, acaba-se banalizando e sua eficácia caindo em descrédito. Nesse sentido, a Psicologia tem atuado de forma excludente, serializante e anti-produtiva junto aos Centros de Formação de Condutores (CFC’s), que bem poderiam se chamar Centro de Fabricação de Condutores, visto a lógica fordista à qual os profissionais da Psicologia estão submetidos. Nesses locais, o esperado é rapidez e agilidade, pois, como bem se sabe, tempo é dinheiro! Os conhecimentos psicológicos, fundamentando-se em uma visão foucaultiana, estiveram e, em grande parte, ainda estão atrelados a uma concepção objetivista da ciência clássica positivista, se perpetuando ao longo do século XX como uma psicologia da normalidade e da adaptação. Além de servirem como potencializadores do exercício de poder, os quais Foucault vai denominar de política geral de verdade. Segundo ele: A verdade não existe fora do poder ou sem poder (…). A verdade é deste mundo; ela é produzida nele graças a múltiplas coerções e nele produz efeitos regulamentados de poder. Cada sociedade tem seu regime de verdade, sua ‘política geral’ de verdade: isto é, os mecanismos e as instâncias que permitem distinguir os enunciados verdadeiros dos falsos, a maneira como se sanciona uns e outros; as técnicas e os procedimentos que são valorizados para a obtenção da verdade; o estatuto daqueles que têm o encargo de dizer o que funciona como verdadeiro. (FOUCAULT, 2002, p.12) ³ . E como se esses já não fossem entraves suficientes, a testagem psicológica encontra serias dificuldades no que diz respeito a suas implicações epistemológicas e éticas. Assim como verificado por Jarbas Dametto, a produção científica acerca das possibilidades de avaliação da personalidade aplicada ao trânsito é precária. Mesmo se tratando de uma prática aplicada desde a década de 1950, no que concerne a segurança na condução de veículos automotores, há pouca concordância no que diz respeito a sua validade e importância. Da mesma forma que não são bem claros os métodos e critérios de avaliação, as características de personalidade que viabilizariam ou não ao candidato à condutor a obtenção da CNH parecem divergentes. Dessa forma, cabe então à Psicologia, diante dessa encruzilhada entre o assujeitar-se a um modelo mecânico de pensar a subjetividade ou engajar-se num processo maquínico de singularização, recalcular rotas que a possibilite chegar a novos destinos. São esses destinos possíveis que pretendo deixar em aberto ao finalizar, pensando que o tema do trânsito se coloca como um analisador interessante e complexo que nos ajuda a refletir sobre a sociedade contemporânea. Pensar o carro e os modos de vida que dele emerge. Mas também pensar modos alternativos, que não se limitem às passagens, mas, quem sabe, se abram para às paisagens. Se a Psicologia se preocupasse, além das avaliações, também com os processos de produção do sujeito-condutor e desses modos de vida, talvez, recalculando rotas, viria ampliar os debates que a filosofia, a sociologia e a antropologia, dentre outras áreas de conhecimento, já têm feito. Referências: ¹ GUATTARI, F. Caosmose: um novo paradigma estético. Rio de janeiro: Ed 34, 1992. ² DAMETTO, J. Observações acerca da relação entre a psicologia e o trânsito: uma outra atuação é possível? Revista Espaço Acadêmico, nº 92, janeiro de 2009. Disponível em: < http://www.espacoacademico.com.br/092/92dametto.pdf > Acesso em: 04/10/13. ³ FOUCAULT, M. Microfísica do poder. 17.ed. São Paulo: Graal, 2002. Tem interesse pelo assunto? Gostaria de ler mais textos como esse? Então adquira agora o meu livro!
- ENTRE O PROGRESSO E O APEGO: DE SOLUÇÃO A OBSTÁCULO
Não há dúvidas de que ele ainda é um dos itens mais cobiçados em nossa sociedade. Mas isso nem sempre foi assim... Quando o automóvel surgiu, no final do século XIX, ele foi recebido com olhares desconfiados. Em algumas cidades, leis insólitas exigiam que um homem caminhasse à frente do veículo segurando uma bandeira vermelha para avisar os pedestres e acalmar os cavalos assustados. Os médicos alertavam para possíveis danos à saúde. Os religiosos questionavam sua moralidade. Cocheiros, fabricantes de carruagens e empresários do setor ferroviário viam nele uma ameaça aos seus meios de subsistência. Era, afinal, uma máquina barulhenta, veloz e imprevisível, que subvertia a ordem estabelecida. O conservadorismo da época resistia à ideia de substituir o cavalo — símbolo de tradição, elegância e controle — por um motor de combustão que deixava rastros de fumaça pelas ruas de paralelepípedos. Mas o tempo é impiedoso com as tradições. O automóvel não apenas sobreviveu: triunfou. Poucas invenções transformaram tanto a sociedade. O carro encurtou distâncias, remodelou cidades, dinamizou economias, ampliou a autonomia individual. Com ele, surgiram estradas, bairros afastados, feriados prolongados, trilhas sonoras embalando paisagens pela janela. Dirigir tornou-se mais que um ato funcional — virou um ritual de liberdade, conquista e identidade. Por décadas, o automóvel representou o auge da modernidade. Tornou-se fetiche, objeto de desejo, troféu. E com isso, sedimentou-se em nossa cultura com a força de uma religião. Mas agora, mais de um século depois, esse símbolo de progresso começa a se comportar como um obstáculo. Esse paradoxo ficou evidente para mim ao assistir a uma campanha publicitária genial da BMW: Vivemos uma era em que a tecnologia já permite alternativas mais eficientes, limpas e racionais. Bicicletas elétricas, mobilidade compartilhada, carros autônomos, transportes coletivos de alta performance. Já se fala até em viagem orbital — e não apenas na ficção. A inovação não é mais um desafio técnico: é uma barreira cultural. O automóvel, que nos deu movimento, agora nos prende. O que antes era solução tornou-se entrave. O espaço urbano foi capturado por sua lógica; nossas escolhas, condicionadas por sua presença. A transição para um modelo mais sustentável e inteligente esbarra não na engenharia, mas no afeto — na simbologia profunda que o carro carrega. A humanidade talvez não esteja pronta para dar adeus ao volante. Não por falta de tecnologia, mas por apego — por uma saudade antecipada de algo que ainda não conseguimos abandonar.
- NA VIDA, TUDO É PASSAGEIRO (até o motorista)!
Imagem meramente ilustrativa Em Porto Alegre tem ocorrido um fenômeno curioso. A partir da gradual extinção dos cobradores de ônibus nos últimos anos, os acentos remanescentes de veículos mais antigos, que eram ocupados por aqueles profissionais, acabam sendo ocupados por passageiros quando o ônibus atinge sua lotação. Recentemente, eu fui um desses. Em uma tarde qualquer, vi-me ocupando um assento que, há pouco mais de uma década, teria sido meu território diário e exclusivo. Aquele banco logo atrás da roleta, de onde eu, enquanto cobrador , acompanhava o entra-e-sai da vida urbana como quem assiste a um espetáculo diário. Hoje, sem a presença habitual do uniforme e do troco rápido, o que resta ali é uma vaga silenciosa, ocupada por passageiros como eu — nostálgicos ou simplesmente cansados de ficar de pé. Como não podia ser diferente, sentar naquele espaço atrás da roleta me trouxe diversas lembranças. Uma delas é de uma frase que eu costumava usar para animar ex-colegas rodoviários que, por ventura, estivessem nos seus dias mais queixosos: "Tirando o motorista e o cobrador, o resto é tudo passageiro!" . Eis que, sentado ao fundo do ônibus a caminho do trabalho, observo um prestativo passageiro que, sentado naquele assento, parece fingir ser cobrador, auxiliando o motorista no embarque e desembarque dos passageiros e até mesmo em alguma manobra que se faça necessária. Diante dessa cena, fico a refletir o quanto o meu bordão precisou se adaptar pouco mais de 15 anos depois. E o que dizer dos próximos 15 anos? A resposta talvez esteja a alguns toques no celular. Li, dias desses, sobre um serviço chamado Uber Shuttle (ou simplesmente Uber Bus) , que começa a ser testado no Brasil. A promessa? Ônibus compartilhados por aplicativo, com rotas flexíveis, embarque inteligente e... sem cobrador, é claro. O motorista? Por enquanto, ainda presente. Mas sabe-se lá até quando. " Ah, mas a condução totalmente autônoma é uma tecnologia que levará muito tempo para chegar ao país " - você pode estar pensando. Sim, mas certamente em algum momento chegará. Seria ingenuidade pensar que gigantes como Tesla, Google e Uber investem rios de dinheiro em automação veicular visando apenas os mercados Europeu e Norte-americano e não vão querer abocanhar os países em desenvolvimento também… É curioso — e um pouco trágico — pensar como a tecnologia tem o poder de suavizar o fim de uma era enquanto inaugura outra cheia de interrogações. O transporte público, já tão pressionado por cortes, desvalorização e superlotações, agora encara concorrência de frotas privadas com preço dinâmico e ar-condicionado. Vai resistir? Vai se adaptar? Ou vai nos deixar no ponto, esperando por algo que não vem mais? Enquanto isso, seguimos sentando onde dá. Ocupando espaços que antes eram de outros. Inventando novos papéis em velhas cadeiras. Porque, no fim das contas — e isso nem a inteligência artificial discorda — tudo é passageiro (até mesmo o motorista e o cobrador) . E na vida, inclusive, tudo de fato é.
- O CENTRO NOVO, DE NOVO
Foto: Daniel Marenco / Agencia RBS A uma semana do início das obras de Revitalização do Centro Histórico de Porto Alegre, sentados às margens da recentemente reformada praça dos Açorianos, aproveitávamos um bom chimarrão, minha esposa e eu, enquanto observávamos de longe as crianças brincarem. Eis que ela exclama o quão estranho lhe parece ver uma criança subindo em uma árvore estando o movimentado trânsito do Centro da cidade como plano de fundo. Observação completamente compreensível, para pais que cresceram em bairros periféricos, longe das movimentadas avenidas centrais da cidade. Ao mesmo tempo em que respondo à sua análise, lembro de outro artigo escrito durante as férias do último ano, no qual reflito sobre os motivos que nos levaram a pensar durante tanto tempo que desenvolvimento e natureza são coisas antagônicas. Através dessa Revitalização do Centro, que durante muitos anos esteve confinado ao comércio e que, por esse motivo, tornava-se um bairro desértico fora do horário comercial, a prefeitura visa atrair novos empreendimentos para a região, sobretudo residenciais. A meta é dobrar o número de moradores no Centro. Por isso, projetos, como os das imagens a seguir, estão tornando-se cada vez mais recorrentes: Revitalização do Viaduto Otávio Rocha prevê intervenções estéticas e estruturais, com o objetivo de explorar o potencial turístico do local. Imagem: Divulgação / PMPA Captada pelo fotógrafo Jefferson Bernardes durante o South Summit, a cena mostra algo que há muito tempo não se via na Capital Calçadão da Rua dos Andradas será o espaço com maiores mudanças. Projeto da rua João Alfredo é apresentado à comunidade. Foto: Encop Projeção do trecho 3 da Orla do Guaíba (já entregue) Projeto de implantação de uma roda-gigante de 66 metros de altura será instalada no Parque da Harmonia, em um ponto junto à orla, com vista privilegiada para o pôr do sol. Foto: Arte PMPA Pensando mais especificamente em muitos dos projetos voltados à mobilidade da cidade de todas as últimas gestões, como os Portais da Cidade, o BRT e o Aeromóvel , temo que essa tão sonhada Revitalização do Centro Histórico, que tem também impacto direto sobre a mobilidade, acabe não saindo do papel, DE NOVO. Como é de costume, muito em função da minha formação em Programação Neurolinguística, constantemente me apego a reflexões semânticas. Você já parou para pensar no sentido atribuído ao termo DE NOVO em sentenças do tipo “amanhã tem tudo de novo” ou “vamos começar tudo de novo”? Não é difícil perceber a conotação negativa aplicada ao termo, dando a ideia de algo que é recorrentemente maçante, entediantemente rotineiro. Mas não seria possível atribuir um sentido positivo ao termo? Algo que soasse como “amanhã tem um dia cheio de novidades” ou “vamos começar a fazer tudo diferente”? Imbuído desse espírito de otimismo e de inovação, faço votos de que esse, diferentemente dos demais projetos para a cidade, saia enfim do papel. E que, dessa forma, possamos ter não apenas um Centro, mas uma cidade inteira DE NOVO (no mais amplo sentido do termo). Tem interesse pelo assunto? Gostaria de ler mais textos como esse? Então adquira agora o meu livro!
- POR QUE É TÃO DIFÍCIL IMITAR O QUE DÁ CERTO NO TRÂNSITO BRASILEIRO?
Campanha realizada em 2013 pela Associação de Parentes, Amigos e Vitimas de Transito – TRÂNSITOAMIGO O brasileiro é, sem sombra de dúvidas, um dos povos mais criativos que existem (se não o mais!). Foi exatamente o que pensei quando me deparei com a imagem abaixo, ilustrando a notícia de que o Tribunal de Justiça condenou o proprietário de um supermercado do interior de São Paulo a pagar uma indenização de R$ 20 mil ao Grupo Carrefour devido ao uso de nome e logotipo considerados semelhantes aos da rede francesa, configurando concorrência desleal e violação de propriedade industrial. Imagem: Google Muito embora a criatividade seja a capacidade de gerar, avaliar e aprimorar ideias, resultando em soluções originais e úteis num contexto específico, o que não foi exatamente o caso . E, aparentemente, também não foi o caso do Observatório Nacional de Segurança Viária (ONSV) ao criar a campanha do Maio Amarelo desse ano. A iniciativa que conta com apoio de diversas empresas, entidades e também do governo federal, parece imitar outra peça publicitária criada em 2013 pela Associação de Parentes, Amigos e Vitimas de Transito – TRÂNSITOAMIGO. Montagem feita por portal Estradas.com.br O plágio é uma prática criminosa segundo consta na Lei nª 9.610/98 que trata dos direitos autorais. No entanto, não quero aqui me ater a processos legais que, no que diz respeito à segurança viária, em nada auxiliariam. Em vez disso, convido o caro leitor a refletir: será que queremos mesmo mudar o trânsito, ou apenas parecer que estamos fazendo algo? Sem um engajamento real com as causas e com a educação transformadora, estaremos sempre só imitando — "mal e porcamente". No Brasil, diversas barreiras culturais e institucionais dificultam a adoção efetiva de boas práticas de segurança viária inspiradas em países desenvolvidos. Uma delas é a valorização da "esperteza" como traço social, que muitas vezes se sobrepõe à ética coletiva e ao respeito às normas de convivência — o famoso "se der para passar, eu passo", mesmo que isso coloque vidas em risco. Soma-se a isso a fragilidade das políticas públicas, marcadas por ações pontuais e descontinuadas, que frequentemente priorizam a aparência de comprometimento em vez de resultados concretos. As campanhas educativas, por sua vez, costumam carecer de aprofundamento pedagógico e raramente são avaliadas quanto ao seu impacto real. Além disso, há uma resistência cultural persistente à aceitação de limites, como o respeito às leis de trânsito ou o uso de dispositivos de segurança, vistos muitas vezes como imposições e não como cuidados com a vida. Tudo isso revela que o problema não está apenas na ausência de boas ideias, mas na incapacidade ou indisposição de colocá-las em prática com seriedade e continuidade. Países que alcançaram altos níveis de segurança viária fizeram isso não apenas com campanhas, mas por meio de políticas consistentes, baseadas em dados, fiscalização rigorosa, investimento em infraestrutura segura e, principalmente, educação contínua. Copiar um vídeo ou um slogan não é o mesmo que entender e internalizar essa cultura. Isso sim é algo que merece ser copiado.



















