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O QUE O TRANSPORTE PÚBLICO APRENDEU COM A UBER

O QUE O TRANSPORTE PÚBLICO APRENDEU COM A UBER


Recentemente, fui convidado para mediar mais uma edição dos Encontros na Biblioteca, realizado pela equipe da Escola Pública de Trânsito do DETRANRS. O tema escolhido foi MOBILIDADE COMO SERVIÇO, (MAAS) QUE IDEIA É ESSA?!. Aproveitei a ocasião para tirar do papel um antigo projeto inacabado: durante o encontro, os participantes tiveram a oportunidade de conhecer o Jogo Mobilidade Sustentável, já disponível na minha Loja. Nele, as equipes devem planejar, gerenciar recursos e escolher os modais de transporte mais eficientes para cumprir diferentes missões, enfrentando cenários e eventos inesperados.


    Biblioteca da Escola Pública de Trânsito do DETRANRS
Biblioteca da Escola Pública de Trânsito do DETRANRS

Durante o bate-papo, comentei sobre um projeto de lei que tramita na Câmara Municipal de Porto Alegre que propõe a criação de um aplicativo municipal de transporte de passageiros, o “Temovepoa”. A proposta é de autoria do vereador Gilvani "o Gringo" (Republicanos) e busca oferecer uma alternativa aos serviços já estabelecidos, como Uber e 99. Segundo a proposta, 50% do valor arrecadado com a tarifa será destinado à unidade de saúde a ser indicada pelo motorista parceiro no cadastramento no aplicativo.


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Apesar do meu entusiasmo com tudo o que diz respeito à tecnologia, sobretudo quando aplicada ao trânsito e à mobilidade, recebo essa proposta com certa cautela. E explico por quê.


Em primeiro lugar, há o risco da inviabilidade econômica. O histórico recente mostra que diversas iniciativas nacionais e locais, por mais bem-intencionadas que fossem, não conseguiram se manter diante da força das grandes plataformas como Uber e 99. O domínio de mercado dessas gigantes não está apenas no volume de usuários e na capilaridade do serviço, mas também em sua estrutura tecnológica robusta, marketing agressivo e poder de investimento. Concorrer com elas exige mais do que uma boa ideia: exige sustentação a longo prazo, planejamento sólido e diálogo constante com os usuários e motoristas.

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Além disso, preocupa-me o foco exclusivo no transporte individual. Ao pensarmos em alternativas reais para os desafios da mobilidade urbana, é impossível ignorar que carros — ainda que compartilhados — continuam ocupando espaço, gerando trânsito, poluição e consumo de recursos. A proposta, tal como está, reforça a lógica do transporte motorizado individual, que é justamente o oposto do que buscamos quando falamos em sustentabilidade urbana.


Por que não pensar mais longe e utilizar essa tecnologia para integrar diferentes modais de transporte em uma só plataforma? Essa é a essência do conceito de Mobility as a Service (MaaS): permitir que o usuário escolha, em tempo real e de forma simplificada, a melhor combinação de transporte para seu deslocamento — ônibus, bicicleta pública, trem, caminhada, carro compartilhado, entre outros — considerando custo, tempo, emissão de carbono e comodidade. A tecnologia já permite isso. Falta apenas visão integrada e vontade política.


Outro ponto que merece atenção é o destino dos recursos arrecadados. A proposta prevê que metade da tarifa seja repassada para uma unidade de saúde indicada pelo motorista. Embora louvável em sua intenção solidária, essa destinação pode acabar sendo simbólica ou mesmo desigual em sua aplicação prática. Assim como os Créditos de Carbono são pagos por grandes multinacionais para que as mesmas continuem poluindo, esse repasse permitiria subsidiar o sistema de saúde que é sobrecarregado pelo próprio transporte individual.


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E se, em vez disso, essa arrecadação fosse convertida em investimento direto no transporte coletivo da cidade? Estaríamos, assim, reforçando um sistema mais inclusivo, com benefícios duradouros para toda a população — inclusive para os próprios motoristas, que também são usuários do transporte público em algum momento.


Por fim, é fundamental ampliar o escopo do diálogo. Projetos como esse não podem se limitar ao olhar dos operadores do sistema — motoristas parceiros, gestores ou parlamentares. É preciso envolver ativamente os usuários, que são os maiores interessados e que podem contribuir com percepções, necessidades e soluções. Sem essa escuta ativa, o risco é reproduzir modelos falhos sob uma nova roupagem.


Há também o risco de que um aplicativo municipal, caso fracasse ou não alcance adesão significativa, acabe abrindo ainda mais espaço para serviços intermediários, como o Uber Shuttle — que opera com rotas semi-fixas e preços acessíveis, combinando o transporte coletivo com a lógica do transporte por demanda. Embora essa modalidade possa parecer uma solução eficiente, ela pode esvaziar ainda mais o transporte público tradicional, agravando a crise do setor e promovendo uma segmentação do acesso à mobilidade: quem pode, paga por conveniência; quem não pode, fica com um serviço público cada vez mais sucateado. Ou seja, uma tentativa mal planejada de inovar pode, paradoxalmente, acelerar a fragmentação do sistema de transporte urbano.


Diferente do que vem ocorrendo ultimamente, talvez esse seja um embrião para uma mudança que possa de fato ser considerada inovadora no transporte público. Que esse debate siga vivo — dentro e fora das bibliotecas.

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