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- ELES CHEGARAM E NÃO ESTÃO PRA BRINCADEIRA
Recentemente, no artigo ESTÁ PRONTO PARA DEIXAR SUA CASA NAS MÃOS DE UM ROBÔ? , eu exponho uma das nossas mais novas aquisições aqui em casa: um robô aspirador. Há alguns dias, enquanto descia para levar o lixo pra fora, deixei nosso amiguinho robótico circulando pela casa. Nesse meio tempo, minha esposa chega do trabalho e, ao entrar em casa, ouve um “bipe” característico de quando o aparelho está trancado em algum lugar ou sem bateria. Seguindo o som, ela chega até o quarto das crianças e se depara com a cena retratada na imagem a cima. Tão logo, recebo um whatsapp com a imagem e a seguinte mensagem: Cheguei em casa agora! Olha a treta que está rolando por aqui… Nosso robô está tentando matar a boneca! (:o) Obviamente tratava-se de uma brincadeira – pensei. Pois se aquilo de fato fosse sério, o robô certamente teria vantagem sobre a boneca… (risos). O fato é que, assim que recebi a foto e a mensagem, lembrei na hora de uma notícia que li enquanto estudava para escrever o artigo citado acima. Ao longo da notícia ( veja mais aqui ), uma das chamadas dizia Briga de robôs . Essa chamada me remeteu instantaneamente a filmes como GIGANTES DE AÇO, TRANSFORMERS ou O EXTERMINADOR DO FUTURO 3 – A REBELIÃO DAS MÁQUINAS, pela conotação do embate “físico” entre duas máquinas, por assim dizer. Mas, em se tratando de uma “briga” apenas no campo judicial, achei divertida a ideia de pensar em duas máquinas entrando em uma corte, perante a um juiz, ambas com seus advogados… Tal ideia pode parecer estapafúrdia e sem nenhum cabimento, mas apenas se você ainda não ouviu falar do Watson, da IBM. A partir dos constantes avanços nos campos da Inteligência Artificial e da Computação Cognitiva, a IBM criou no ano de 2010 um sistema para o processamento avançado, recuperação de informação, representação de conhecimento, raciocínio automatizado e tecnologias de aprendizado de máquinas. O sistema do Watson pretende otimizar a carga de trabalho que temos diariamente. Nesse sentido, o computador integra processadores que é usado para gerar hipóteses, juntar evidencias e analisar dados. Em média, o Watson consegue processar 500 gigabytes, o equivalente a um milhão de livros por segundo. Agora, tente imaginar uma tecnologia como essa aplicada no contexto do trânsito. Sou um defensor ferrenho da utilização da tecnologia para aumentar a segurança no trânsito, assim como já mencionei em artigos como HUMANIZAR O TRÂNSITO: SERÁ REALMENTE A SOLUÇÃO? e, mais recentemente, em PROCESSO DADOS, LOGO EXISTO . Talvez a saída para os entraves morais e éticos que atravancam a implementação de tais tecnologias seja através de uma batalha judicial. Quem sabe, com a ajuda do próprio Watson…
- ECONOMIZAR É ‘MORAR’ BEM!
Existe no Rio Grande do Sul uma rede de supermercados bastante conhecida pela qualidade dos seus produtos e atendimento, do requinte de suas lojas e, consequentemente, pelo preço diferenciado cobrado por isso. Obviamente que, por não estar ganhando patrocínio pela propaganda, não vou citar o nome dessa rede, mas posso adiantar que o seu símbolo é um esquilo, como mostra o outdoor da imagem acima. Receba novas postagens direto no seu WhatsApp . Há alguns dias tive a oportunidade de palestrar numa SIPAT (Semana Interna de Prevenção de Acidentes do Trabalho) dessa empresa. Durante a minha apresentação, mencionei ter uma ligação muito especial com essa rede de supermercados. Passei grande parte da minha infância morando nas proximidades de uma das lojas da rede, a qual acabou se tornando um local pelo qual nutro um grande carinho pelas memórias guardadas. Tanto que, na infância, um dos meus sonhos era o de, quando crescesse, morar perto de uma loja da rede. Com muito trabalho e esforço, acabei realizando esse sonho! Hoje, moro próximo a uma loja da rede na zona sul da cidade. Porém, por enquanto, a mesma serve muito mais como ponto de referência que de ponto de compras. Meu sonho de aposentadoria agora é, um dia, conseguir comprar lá… Brincadeiras a parte, esse “sonho” é um exemplo de como a distribuição da cidade afeta diretamente na vida das pessoas e em seus deslocamentos diários. Supermercados como esse, assim como universidades, shoppings centers, centros comerciais ou empresariais são pólos de oportunidades dentro de uma cidade. A forma como esses pólos são distribuídos influencia, muitas vezes, na escolha de onde morar das pessoas. Ou pelo menos deveria… Atualmente, moro em um bairro que fica aproximadamente a 12 km de distância do centro da cidade. Isso, de ônibus, representa uma viagem de 35, às vezes 40 minutos. Tenho na porta de casa duas linhas de ônibus. Caminhando duas quadras até a avenida mais próxima, mais uma meia dúzia de linhas diferentes. Tenho uma oferta relativamente boa de transporte. Ainda assim, no entanto, há algum tempo tenho pensado em me mudar. Embora tenha alcançado meu antigo sonho de infância, há um outro sonho que hoje é mais premente. Mais que o próprio sonho de poder comprar na já citada rede de supermercados. O sonho de não ficar mais parado (quarando) na parada de ônibus. Sonho em um dia poder pegar o primeiro ônibus que passar na parada, sem nem mesmo ver qual é. Morar tão perto que qualquer linha me sirva. E caso alguém pergunte “ Moço, sabe que ônibus é esse? ” eu possa responder “ Não sei, eu só entrei… “. Morar perto do trabalho representa para cada vez mais pessoas algo que cada vez menos pessoas têm hoje em dia: qualidade de vida. Se dar ao luxo de poder voltar caminhando ou pedalando para casa representa uma economia de algo que as pessoas têm cada vez menos: tempo. Entretanto, escolher onde morar, infelizmente, não é um luxo que todos podem se dar. O mercado imobiliário sabe muito bem como supervalorizar esses dois atributos tão estimados hoje em dia: qualidade de vida e tempo. Resultado disso: a maior parte da população, aquela mais necessitada, não tem direito nenhum de escolha, seja de onde comprar, onde morar ou que ônibus pegar. A já citada rede de supermercados tem como slogan a frase Economizar é comprar bem . Se você, assim como eu, concorda com a menção, que fiz em ESTÁ PRONTO PARA DEIXAR SUA CASA NAS MÃOS DE UM ROBÔ? , à frase de Benjamin Franklin de que tempo é dinheiro, há de convir que, no contexto do trânsito, ECONOMIZAR É MORAR BEM!
- GM ABRE AS PORTAS DA SUA FÁBRICA PARA VISITAS PÚBLICAS
A fábrica de São Caetano do Sul é responsável pela produção do Chevrolet Tracker (Foto: Chevrolet | Divulgação) Em um mundo cada vez mais competitivo, inúmeras empresas dependem de segredos industriais — fórmulas, processos, métodos, tecnologias — como elemento-chave de sua vantagem competitiva. Esse tipo de sigilo protege o “como” por trás dos produtos e serviços, garantindo que a inovação não seja copiada por concorrentes. No entanto, o recente anúncio da GM revela que, em certas circunstâncias, empresas podem decidir abrir mão, parcial ou temporariamente, desse sigilo: como forma de promover transparência, educar o público, aproximar a marca de seus consumidores e ressignificar sua imagem institucional. Este texto pretende refletir sobre o significado dessa transição: por que uma empresa cuja produção sempre foi envolta em sigilo decide expor seu chão de fábrica e o que isso representa na intersecção entre indústria, marketing, mobilidade e cultura. Em 2025, em celebração aos 100 anos da GM no Brasil , a montadora abriu pela primeira vez suas portas ao público para visitas na unidade de São Caetano do Sul (SP). A visita guiada permite acompanhar, de perto, etapas fundamentais da produção de carros, desde a estamparia das chapas metálicas, passando pela soldagem e montagem final, até a inspeção de qualidade. A iniciativa representa, nas palavras da própria montadora, uma forma de “conectar as pessoas à nossa história e ao que estamos construindo para os próximos 100 anos”. Parte do caráter social/do compromisso comunitário do projeto aparece no fato de que as contribuições das visitas serão revertidas ao Instituto General Motors, voltado a projetos de educação, inclusão e desenvolvimento comunitário. As visitas ocorrem às quartas-feiras, à tarde, com duração média de duas horas, mediante agendamento prévio . A decisão da GM de abrir sua fábrica revela que o sigilo industrial, embora essencial para proteger inovações, nem sempre é imutável. Sob determinadas circunstâncias, a transparência pode trazer valor simbólico, pedagógico e social. Para quem trabalha com mobilidade, segurança no trânsito e responsabilidade social, esse movimento oferece uma oportunidade de reflexão: se podemos tornar visíveis os bastidores da produção automotiva, por que não pensar em tornar igualmente transparentes os bastidores da mobilidade urbana?
- VIVENDO UM SONHO DE 15 MINUTOS
Paris, 2015. Durante a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas, a COP 21, discutia-se sobre a criação de meios de transporte sustentáveis, como carros elétricos e transporte coletivo sobre trilhos. De forma muito perspicaz, o urbanista Carlos Moreno sugeriu um novo rumo à discussão: “Talvez o problema não fosse espaço, e sim tempo. E se reduzíssemos nossos deslocamentos e as horas perdidas no trânsito?” Receba novas postagens direto no seu WhatsApp. A partir desta reflexão, Moreno apresentou ao mundo um conceito simples, porém desafiador, ao qual nomeou de “Cidades de 15 minutos”. O urbanista defende a ideia de que os cidadãos devem ter acesso ao essencial perto de casa. Ele resume essa “essência” em seis ações: viver, trabalhar, comprar, cuidar, educar e divertir-se. Segundo essa lógica, todo morador de Paris tem direito a mercearias, lojas, restaurantes, livrarias, parques, escolas, áreas de lazer — e, se possível, ao próprio local de trabalho — a no máximo quinze minutos a pé de sua casa. Recentemente, seguindo essa tendência mundial, a prefeitura de Porto Alegre anunciou a criação de um Programa de Revitalização do Centro Histórico da cidade. Dentre outras propostas, o Programa visa atrair novos empreendimentos para a região, sobretudo residenciais. A prefeitura tem como meta dobrar o número de moradores no Centro. Há algum tempo, em ECONOMIZAR É ‘MORAR’ BEM! , discorri sobre como a distribuição da cidade afeta diretamente na vida das pessoas e em seus deslocamentos diários. Além disso, menciono sonhos, alguns já alcançados e outros ainda a concluir. Ainda que esse tenha sido um ano extremamente difícil, felizmente consegui alcançar outro sonho antigo. Não, ainda não me mudei para Paris… Mas, como diz aquele velho e conhecido ditado “S e a montanha não vai a Maomé, vai Maomé à montanha “. Há aproximadamente um mês mudei para um bairro da região central, há exatamente 1,5 km do meu trabalho, para o qual, além de uma infinidade imensa de linhas de ônibus, tenho a possibilidade de ir de bicicleta ou mesmo andando. Hoje, tenho a felicidade de dizer que já vivo em uma cidade de 15 minutos. Tempo que, anteriormente, excedia só durante a espera do ônibus na parada. Não é preciso nem comentar sobre a oferta de comércio, escolas, hospitais, parques e praças. Se o carro já me fazia pouca (ou nenhuma) falta antes, como mencionado em outro artigo , agora vejo ainda menos necessidade. Espero que a revitalização da área central da cidade dê a mais pessoas a oportunidade de conhecerem esse conceito e saírem de suas cidades, não as de 15 minutos, mas as de uma hora ou de uma hora e meia…
- TECNOLOGIA: UMA ARMA SUBUTILIZADA DURANTE A PANDEMIA
Como usuários do transporte público, conversávamos noite dessas, minha esposa e eu, sobre a dificuldade em se estabelecer e, sobretudo, fiscalizar os limites de passageiros impostos durante a pandemia do Covid-19. A complexa equação demanda de passageiros X oferta de ônibus, que antes da pandemia já não era lá muito bem resolvida, com a necessidade de um maior distanciamento como forma de (tentar) estabilizar e diminuir o contágio, trouxe à área do transporte de passageiros desafios nunca antes imaginados. No entanto, tais esforços parecem não terem sido em vão. Segundo dados da ATP (Associação dos Transportadores de Passageiros de Porto Alegre), nos primeiros 6 meses de pandemia somente 52 funcionários do transporte coletivo da cidade contraíram Covid-19, número que representa 0,8% do total de colaboradores. “ O percentual é inferior ao de toda a população de Porto Alegre, que atualmente é 1,33% “, afirmou o engenheiro de transporte da ATP Antônio Augusto Lovatto, em nota no mês de agosto. Mas com o implemento de certas tecnologias, alguns esforços se tornariam desnecessários. Voltando à conversa com minha esposa, lembro de ter recebido com incrédulo espanto o seu relato de que o ônibus no qual ela estava fora parado por agentes de trânsito para efetuar uma contagem de passageiros e assegurar que estes encontravam-se dentro dos limites estipulados pelo decreto municipal vigente na época. Espantado sim. Não pela ação em si, mas pela forma como fora realizada. “ Em pleno ano de 2020, contagem manual de passageiros, sério?! “. Instigada pela minha reação, ela perguntou que outras formas seriam possíveis para realizar tal tarefa. Lembrei a ela que recentemente fora instalado um sistema de GPS que permite ao usuário saber com uma precisão quase total a quantos minutos cada ônibus encontra-se do ponto no qual ele se encontra. Através do aplicativo baixado para acessar essa funcionalidade, o próprio usuário poderia contribuir com dados como lotação, tempo e qualidade da viagem, controle de origem e destino por linha, como diversas outras informações. Habilmente, como a incorporar o advogado do diabo, ela argumentou que muita gente não tem internet no celular para a utilização desse tipo de serviço. Rebati afirmando que os próprios ônibus poderiam disponibilizar wi-fi aos passageiros. O golpe final veio quando, irrefutavelmente, ela afirmou que muitas pessoas poderiam simplesmente não querer baixar o aplicativo ou utilizarem tal serviço. Consciente de ter perdido aquela batalha (mas não a guerra!), abandonei aquela hipótese. “ Esqueçamos o aplicativo, a internet e o GPS então! E quanto às câmeras? ” – perguntei. Ela sem entender muito perguntou o que tinham as câmeras? “ Ora, existem softwares que, integrados a câmeras de monitoramento, realizam a contagem de pessoas automaticamente “. Coincidentemente, alguns dias depois o amigo Luiz Renato Mattos, CEO e Co-Fundador da OnBoard Mobility, postou um interessante artigo falando exatamente sobre isso. Imagine a maravilha de chegar numa parada de ônibus e, além de saber exatamente em quanto tempo seu ônibus chegará, como já ocorre hoje, poder escolher, dentre as linhas que atendem àquele ponto, o veículo com menor lotação? Para além da questão da saúde pública, que aparentemente irá nos preocupar por mais algum tempo ainda, as implicações desse tipo de tecnologia na qualidade do serviço seriam imensuráveis. A partir disso, a oferta de um serviço de transporte público de fato com qualidade, mais sustentável, racionalizado e, quem sabe, até sob demanda deixará de ser um salto imenso e passará a ser apenas mais um pequeno passo.
- DE REPENTE, TODOS OS CARROS DEIXAM DE CIRCULAR. E AÍ?
Jacarta/Indonésia Recentemente, recebi o convite para participar de uma live realizada pela minha grande amiga, Valéria Penatti, da Rádio em Trânsito, na qual ela, de forma muito instigante e como sempre muito inteligente, propunha exatamente esse questionamento: DE REPENTE, TODOS OS CARROS DEIXAM DE CIRCULAR. E AÍ? Para quem convive diariamente com o trânsito caótico, sobretudo nos grandes centros urbanos, pode parecer absurda a ideia de que problemas de trânsito já afetavam as cidades do Império Romano. Porém, na realidade, as primeiras restrições ao trânsito conhecidas parecem ser aquelas determinadas pelo imperador Júlio César, no século I a.C., que proibiu o tráfego de veículos com rodas no centro de Roma durante certas horas do dia. Coincidentemente, apenas dois dias após a gravação dessa live , fui surpreendido pelas lembranças de três anos atrás do Facebook, com esses registros e com o depoimento do amigo Marcus Coester, SEO da Aeromovel , dizendo: "SENSACIONAL: Estou em Jacarta, Indonésia, conhecida por ter o trânsito entre os mais caóticos do mundo. Mas todos os domingos a cidade fica irreconhecível das 6 da manhã até as 11, quando os veículos particulares são proibidos de transitar em todo o perímetro central. Uma trégua com a cidade para as pessoas! Muito legal" A imagem ilustra de forma bastante literal o desafio proposto pela amiga Valéria durante a live . No entanto, proponho ao caro amigo leitor realizar o caminho inverso: ao invés de eliminar o carro da equação, imaginemos uma outra história, contada dessa vez não pela nossa, mas pela perspectiva desses gigantes de metal que tomam nossas ruas diariamente e, sem os quais, algumas pessoas simplesmente não viveriam. Saiba mais lendo esse outro artigo . E antes que você me acuse de ser um idealista imparcial, advirto que, como sempre digo: "Não sou contra a utilização de automóveis. Só luto por uma cidade na qual as pessoas possam usá-los por opção e não por falta de. Por cidades onde os carros tenham espaço delimitado, não pessoas."
- CAMINHAR À SOMBRA DOS AUTOMÓVEIS: UMA REFLXÃO SOBRE PRIORIDADE URBANA
Conversava com um antigo colega por mensagens de texto. Ele contava que estava em um seminário de mobilidade da prefeitura. Entre lembranças de memórias antigas e promessas de um futuro churrasco (que está há tempos sendo marcado, mas nunca sai), ele me conta espantado sobre uma descoberta que havia feito há pouco durante o evento: - A iluminação pública nas ruas é para os automóveis, e não para os pedestres. Com certo surpresa por ele nunca ter pensado nisso durante os vários anos que trabalhamos com educação para o trânsito, respondi " Sim... tu nunca tinha percebido isso?! Na verdade, de maneira geral, as cidades são todas pensadas para os carros! " No mesmo instante, lembrei da reflexão que trouxe no artigo FAIXA DE SEGURANÇA: A ILUSÃO DA PRIORIDADE DO PEDESTRE , no qual questiono a prioridade urbana. É curioso pensar que quando um veículo sai de um estacionamento e encontra um pedestre circulando pela calçada, o motorista (na maioria das vezes) reduz a velocidade e dá passagem. Porém, quando o mesmo pedestre se desloca alguns centímetros e pisa em uma faixa de segurança, a mágica desaparece: o que antes era um ser humano digno de respeito se torna um mero obstáculo na via. Tudo porque a faixa de pedestres não é vista por ninguém como uma extensão da calçada, mas apenas mais uma sinalização voltada aos veículos. Aliás, as próprias calçadas não são vistas como parte da via e são, muitas vezes, formadas por "sobras das faixas de rolagem". E essa constatação simples de que até a luz das ruas não é pensada para quem caminha, revela algo incômodo sobre nossa relação com a cidade: naturalizamos tanto a centralidade do automóvel que deixamos de perceber o óbvio. Fomos educados para ler a cidade a partir do para-brisa. Quando lembramos que uma faixa de segurança não amplia o território do pedestre, mas apenas demarca o espaço em que o carro “deve” parar, fica evidente que a prioridade do pedestre não é uma regra prática: é um enfeite normativo. Funciona quando não atrapalha o fluxo. Some quando exige uma renúncia. A cidade que construímos — e continuamos renovando — opera nessa lógica. Calçadas estreitas, fragmentadas, escuras, desconfortáveis. Travessias longas, demoradas e mal coordenadas. Áreas de espera insuficientes. Tudo isso comunica silenciosamente uma mensagem poderosa: aqui, o pedestre é tolerado; o carro, celebrado. E talvez seja por isso que, para tantos, a reflexão do meu colega pareça uma epifania. Porque, apesar de termos trabalhado anos com educação para o trânsito, vivemos imersos numa configuração urbana que nos ensina diariamente a priorizar quem está ao volante. Mas não precisa ser assim. Quando reconhecemos essa assimetria, damos o primeiro passo para transformá-la. Uma cidade verdadeiramente humana começa quando devolvemos ao pedestre não apenas o direito de passar, mas o direito de existir sem pedir licença. Começa quando entendemos que caminhar não é um obstáculo para o progresso, é a base dele. No fundo, não estamos falando apenas de urbanismo, mas de valores. De que tipo de convivência queremos promover. De que vidas escolhemos facilitar e de quais seguimos ignorando. Talvez o maior desafio seja justamente esse: reaprender a enxergar a cidade não de cima de um carro, mas do chão. Porque é ali, no passo lento e vulnerável de quem caminha, que descobrimos a verdadeira medida de uma cidade justa.
- NO TRÂNSITO NÃO HÁ SEGUNDAS CHANCES
Enquanto acompanhava o grande amigo e colega Marcelo Madruga em uma palestra essa semana, refletia a partir de uma dinâmica que temos realizado com algumas empresas. Nela, montamos um circuito com obstáculos que visam testar o reflexo, equilíbrio e a noção de profundidade do voluntário, enquanto esse utiliza um óculos que simula embriaguez. Ao final do percurso, a pessoa deve acertar uma bolinha dentro de uma lata, exercício no qual, invariavelmente, a grande maioria não têm êxito. Simular deslocamentos sob influência de substâncias psicoativas pode ser uma atividade interessante (e até mesmo descontraída) para conscientização sobre os riscos envolvidos, quando feita em um ambiente controlado e seguro. Infelizmente, no entanto, quando essa prática é realizada em via pública, os resultados podem ser desastrosos. Recentemente, concluímos uma batalha que durou dez anos em uma guerra que parece estar longe de ter fim. Embora tenhamos sido derrotados, perdido mais de 10 milhões de soldados e gerado uma legião de sequelados no mundo inteiro, em 2021 iniciamos uma nova batalha. Uma nova chance para que possamos contra-atacar esse inimigo que não vem de outro país, não está camuflado a nos espionar e nem tão pouco conhece sobre táticas de guerras. Mas nós sim as temos. Conhecemos bem esse inimigo, com o qual convivemos diuturnamente. Traçamos metas, planos e estratégias para derrotá-lo. Ainda assim, seguimos perdendo vidas que poderiam ser poupadas. Por pura e simples inação. Porém, essa inércia não se dá apenas por parte do Estado. É fácil terceirizar a culpa diante de um conflito que parece estar longe de nos afetar. Mas esse é o erro da grande maioria das vítimas dessa guerra: a falsa impressão de que “isso nunca vai acontecer comigo!”. Nos próximos dez anos teremos uma batalha intensa. Uma batalha que ceifará outros tantos milhões de vidas e deixará ainda muitas sequelas. No entanto, se cada um de nós não nos comprometermos com essa luta e ficarmos esperando apenas pela ação de órgãos governamentais, muito provavelmente ao chegar 2030, amargaremos uma nova derrota. Sendo assim, comece hoje mesmo a rever suas ações, seus comportamentos e suas responsabilidades. Ainda que essa Segunda Década de Ação para a Segurança no Trânsito nos tenha permitido uma nova oportunidade para buscar um trânsito mais seguro, diferentemente da dinâmica dos óculos, onde o voluntário erra a bolinha na lata, no trânsito não há segundas chances.
- RESIGNAÇÃO: A MARCA DE UM POVO
Como já mencionei há alguns artigos, mais especificamente em CARRO QUE MUITO SE AUSENTA, UMA HORA DEIXA DE FAZER FALTA , estou sem carro atualmente (e muito bem, obrigado! – diga-se de passagem). Por conta disso, pra chegar a um compromisso no último final de semana, chamei um Uber. E enquanto observava a paisagem distraído (coisa que não temos a chance de fazer enquanto dirigimos), percebi que passava por uma rua na qual, alguns anos antes, havia atendido uma ocorrência bastante comum em certas áreas da cidade. Porto Alegre, embora seja um grande centro urbano, possui em suas periferias algumas áreas rurais. Nelas, é comum a existência de animais, tipo cavalos, bois, vacas e até mesmo búfalos (sim, até há pouco tempo nem eu sabia que existiam búfalos em Porto Alegre…)! Durante aproximadamente cinco anos trabalhei na fiscalização de trânsito no plantão noturno, das 00h às 06h da manhã. Nesse horário, sobretudo em áreas rurais da cidade, eram frequentes os chamados para ocorrências de animais soltos na via. Talvez pouca gente saiba dessa atribuição dos órgãos de trânsito, mas, dada a gravidade de um acidente causado por um animal de grande porte, procurávamos dar, sempre que possível, uma certa prioridade a essas. Chegando no local mencionado acima, nos deparamos com um cavalo que, embora tenhamos constatado posteriormente que era bastante dócil, nos fez correr umas três ou quatro quadras até alcançá-lo. Atingido o primeiro objetivo, começamos a trabalhar no segundo desafio da ocorrência: mantê-lo em um local seguro até a chegada no serviço de remoção credenciado. Uma vez que o animal estava sem qualquer rédea para que pudéssemos amarrá-lo, e nós também não dispúnhamos de uma corda, a tarefa tronou-se ainda mais desafiadora. Tivemos que apelar para medidas desesperadas e utilizar aquilo que tínhamos em mãos: fita zebrada de isolamento. Obviamente, minha primeira reação foi de rechaçar a ideia, assim como você provavelmente deve estar fazendo. No entanto, para minha (ou nossa) surpresa, o cavalo aceitou aquela sua condição de confinamento com uma resignação assombrosa! Meu primeiro pensamento foi “Nossa! Como um animal tão grande e forte se deixa prender por uma simples e frágil fita?! Ele parece não saber a força que tem…”. Na mente do cavalo, talvez, aquela deve ser uma condição imutável. Muito provavelmente ele já deve ter sido capturado e amarrado inúmeras vezes. De todas as tentativas de fuga, certamente em poucas (ou talvez nenhuma) ele tenha logrado êxito. Então, se assim sempre foi, assim será. Isso me fez lembrar de um conhecido experimento realizado com macacos em uma jaula, que ilustra exatamente esse tipo de comportamento: Se isso não foi o suficiente para visualizar a aplicabilidade disso na sua vida, e acha que isso só se aplica animais, sinto desapontá-lo… assista o vídeo a seguir: Então, convencido? Se ainda não, vamos para a nossa prática diária. Você, condutor, alguma vez já se sentiu constrangido por ser o único a para naquele sinal vermelho para travessia de pedestres no qual, obviamente, sequer uma viva alma atravessava? Ou em uma rodovia, na qual trafegava na velocidade máxima permitida, sentiu-se “atrapalhando o fluxo”, pois todos passavam por você como se estivesse parado? E você, pedestre? Você também… Já deve ter sentido-se ridículo sendo o único a esperar o “homenzinho verde” no semáforo para fazer a travessia de uma via, enquanto os demais aproveitavam que nenhum carro passava, não? Mas não sejamos tão pessimistas… Há exemplos positivos no trânsito também! Aqui no Rio Grande do Sul existe uma cidade que é bastante conhecida por seus atrativos turísticos, sobretudo por sua semelhança com certas regiões europeias, inclusive no trânsito. Chama-se Gramado. Nas palestras e cursos que ministro, invariavelmente, é citada como exemplo quando o assunto é educação no trânsito. Lá há uma cultura muito forte e enraizada de parar nas faixas de segurança sempre que um pedestre faz menção de atravessar a via. Talvez pelo fato de as vias serem mais estreitas e propiciarem uma redução natural da velocidade. Ou pelo fato de grande parte dos condutores serem turistas de férias e sem pressa. Ou ainda, pela semelhança com uma cidade da Europa, talvez os condutores sintam como se de fato estivessem lá! O mais provável, a partir dos vídeos acima, é que as pessoas simplesmente se sintam constrangidas de deixarem de parar na faixa vendo as outras todas pararem. Sendo assim, elas acabam parando muito mais para sentirem-se parte integrada àquele contexto que por educação ou consciência. A questão aqui é qual a fita que o prende a essa resignação comparável a do cavalo do início do texto? Você vai continuar “batendo” nos outros, mesmo sem saber o motivo, só porque todos sempre fizeram assim? Sendo o primeiro a levantar ao som do bipe em uma sala de espera ou a respeitar as normas de trânsito, é você quem escolhe que legado social deixar às próximas gerações (ou aos próximos pacientes na sala de espera…).
- POTÊNCIA NÃO É NADA SEM CONTROLE
Estava eu sentado no auditório da Escola de Gestão Pública, ouvindo uma interessante palestra sobre Cultura Analítica, na qual o palestrante versava sobre a importância dos dados para tomada de decisões e criação de políticas públicas e minha cabeça estava onde? Sim, em um famoso slogan de uma conhecida marca de pneus... Esse mesmo que você leu no título e jurou já ter ouvido em algum lugar, só não lembrara onde. Receba novas postagens direto no seu WhatsApp. Ainda que haja muito o que ser melhorado, é inegável que o trânsito brasileiro evoluiu significativamente desde a implantação do Programa Vida no Trânsito (PVT), desde 2010, no que concerne à coleta de dados. O PVT fundamenta-se na análise integrada de dados de múltiplos setores envolvidos na temática das lesões no trânsito, a qual subsidia a produção do plano de ação intersetorial, elaborado por um comitê intersetorial, que direciona ações sobre os principais fatores de risco e grupos vítimas de lesões no trânsito. Curiosamente, falando em potência e controle, na mesma semana que assisti à essa palestra, recebi no grupo do Instituto Zero Morte uma notícia de extrema importância: Motoristas da Austrália que quiserem pilotar carros super esportivos agora precisam tirar um tipo especial de carteira de habilitação ( leia na íntegra ). Ainda que, vez ou outra, vejamos nos noticiários outra morte envolvendo um Porsche ou uma BMW, não é algo tão comum para a realidade brasileira. De acordo com o UOL , em torno de 50 pessoas morreram em acidentes envolvendo carros de luxo no Brasil em 2024. Entretanto, é difícil ler uma notícia como essa da Austrália e não imaginar sua equivalente por aqui: Alguém mais lembrou das classes A1, A2 e A3 da categoria A??? A ideia de que um jovem de 18 anos, que há pouco obteve sua CNH provisória, tendo aulas em uma motocicleta de baixa cilindrada, em um circuito fechado, caso tenha condições financeiras, pode entrar em uma concessionaria qualquer e sair pilotando uma 1.100 cilindradas vai de encontro a todo e qualquer preceito de segurança no trânsito. Estima-se que 33 motociclistas percam a vida diariamente em todo o país. A Austrália tem um dos trânsitos mais seguros do mundo, onde a taxa de mortalidade no trânsito a classifica em 158º lugar no mundo. Numa sociedade onde impera o negacionismo, a malandragem e o "jeitinho" e que amarga a 3ª posição no ranking de mortes no trânsito, talvez " Ordem e Progresso " já não seja mais um slogan que nos represente. A única coisa que nos separa do famoso slogan daquela marca de pneus é um ponto: POTÊNCIA NÃO É NADA. SEM CONTROLE.
- A NOVA HEGEMONIA CHINESA NA VELOCIDADE AUTOMOTIVA E O QUE ISSO SIGNIFICA PARA NÓS
GAC Hyptec SSR vai de 0 a 100 km/h em menos de 2 segundos (Foto: Divulgação | GAC) Nos últimos anos, o mundo automotivo vem assistindo a uma transformação silenciosa — e, agora, impossível de ignorar. A tradicional disputa por prestígio, potência e aceleração, que durante décadas consagrou nomes europeus e americanos, está sendo redefinida por um novo protagonista: a China . A matéria recente do AutoPapo, intitulada “ Carros chineses desbancam Tesla e Ferrari e dominam pódio de aceleração global ” , traz números que, há pouco tempo, pareceriam improváveis. Nos carros de produção mais rápidos do mundo no 0–100 km/h, os três primeiros lugares — antes território exclusivo de Ferrari, Lamborghini, Porsche ou Tesla — agora pertencem a modelos chineses. Isso não é apenas uma curiosidade técnica. É um marco histórico. Do “zero a cem” ao novo centro da performance No meu texto anterior, “ De zero a cem em 16 anos: a evolução dos motores ” , comentei como a aceleração tornou-se o símbolo máximo do prestígio automotivo. A métrica de 0 a 100 km/h funciona quase como um ritual iniciático do poder sobre rodas. Ela sintetiza tecnologia, desejo, competitividade e a crença — ilusória — de que dominar o tempo significa dominar a vida. Pois bem: esse símbolo mudou de dono. O GAC Hyptec SSR, o Xiaomi SU7 Ultra e o Zeekr 001 FR, todos chineses, agora lideram o ranking global. Modelos de marcas históricas e cultuadas ficaram para trás. A mensagem é clara: a engenharia automotiva de elite se deslocou do Ocidente para o Oriente . Como a China "acelerou" tão rápido? Há razões concretas para essa hegemonia chinesa na velocidade automotiva: As montadoras chinesas deixaram de competir apenas por preço. Agora competem por tecnologia , software e integração total do veículo . As plataformas elétricas desenvolvidas por empresas como BYD, Xiaomi, Zeekr e Yangwang foram concebidas já pensando em torque instantâneo, controle eletrônico e estabilidade digital — o terreno ideal para alta performance. A China domina a cadeia global de baterias, chips e componentes essenciais. Isso cria escala, reduz custos e acelera (literalmente) o desenvolvimento. O que antes era visto como “carro chinês barato” hoje representa o estado da arte da mobilidade elétrica de alta performance . A hegemonia chinesa é técnica — e simbólica A China não domina apenas os dados de aceleração. Domina o imaginário da modernidade. Ela se torna referência de inovação, e não mais de cópia. Ela dita tendências. Ela estabelece os novos limites do possível. Isso significa que: A Ferrari já não é mais a guardiã da emoção da velocidade. A Tesla já não é mais o ícone supremo do futuro elétrico. O centro gravitacional da performance automotiva mudou. E sempre que o centro muda, o significado muda junto. Acelerações extremas para todos? O desafio psicossocial Aqui entra uma reflexão importante para quem se dedica à psicologia do trânsito. Se carros capazes de chegar aos 100 km/h em menos de dois segundos, antes restritos a milionários e colecionadores, passarem a ser vendidos com preços competitivos — como aponta a matéria —, isso muda mais do que mercados. Muda perfis de risco , expectativas e comportamentos . A questão deixa de ser apenas tecnológica e passa a ser social: Quem está psicologicamente preparado para conduzir máquinas com tamanha capacidade de resposta? Quais impactos isso pode ter sobre impulsividade, sensação de invencibilidade, pressa constante e ultrapassagens arriscadas? Estamos educando emocionalmente os condutores para conviver com tecnologias que reduzem o tempo, mas não reduzem a possibilidade de erro humano? Quando o mercado democratiza a potência, precisamos redobrar a atenção sobre os efeitos psicológicos da velocidade — especialmente em um país que ainda trata o trânsito como um “conflito inevitável”, e não como um espaço de convivência. Entre potência e responsabilidade Celebrar avanços tecnológicos é importante. Mas ainda mais importante é lembrar que nenhuma inovação é neutra . A velocidade extrema — agora mais acessível e culturalmente valorizada — exige uma reflexão coletiva sobre segurança, comportamento, tomada de decisão e autocontrole. A hegemonia chinesa nos obriga a revisitar nossas concepções de potência, risco e responsabilidade. Ela redefine o debate sobre mobilidade sustentável e sobre o próprio papel do automóvel em nossas cidades. Se os carros estão ficando mais rápidos, talvez esteja na hora de nós desacelerarmos — para pensar o que isso significa para o trânsito, para a convivência e para a vida.
- MOVIDOS PELA FÉ: O TRÂNSITO BRASILEIRO NAS MÃOS DE DEUS
Das mais altas esferas do poder até o cidadão comum, não é à toa que Deus esteja sempre na boca do brasileiro, um povo que vive em um país de maioria cristã, onde cultura e fé estão intimamente ligadas e no qual a vida religiosa muitas vezes preenche lacunas deixadas pelo Estado. E isso talvez explique porque o Brasil se destaca quando o assunto é espiritualidade. Segundo a pesquisa Global Religion 2023 , produzida pelo instituto Ipsos, aproximadamente nove em cada dez brasileiros acreditar em Deus. Receba novas postagens direto no seu WhatsApp. Ricardo Mariano, sociólogo da Religião e professor da Universidade de São Paulo, ressalta que o Brasil costuma se destacar em pesquisas internacionais sobre religiosidade e fé porque a crença em Deus e a espiritualidade estão profundamente intricadas na nossa cultura, mesmo entre quem não tem compromisso com nenhuma religião específica. O que fica explícito em qualquer conversa informal, diante da utilização constante de expressões como " Vai com Deus. ", " Graças a Deus! ", " Deus me livre. " ou " Só Deus sabe… ". Essa acepção foi muito bem explorada pelo sociólogo Roberto DaMatta em seu livro Fé em Deus e pé na tábua: Ou como e por que o trânsito enlouquece no Brasil , onde o autor mostra um cenário com uma alta carga de agressividade e violação das leis que causam um grande número de sinistros e mortes no trânsito brasileiro. Igualmente genial, o cartunista e humorista Gilberto Maringoni, de forma muito irreverente, utiliza no livro Como Não Enlouquecer no Trânsito. Primeiro e Verdadeiro Livro de Auto Ajuda , o famoso trecho bíblico da gênese da terra para criticar o nosso atual sistema de trânsito: No princípio era o caos. E Deus criou o céu e a terra. A terra estava sem forma e vazia. Deus disse: “Que exista a luz!”. E a luz começou a existir. Nos outros dias, Deus criou terras e mares, as relvas, as árvores, as estrelas, os peixes e os animais. No sexto, já com a mão meio cansada, criou o homem. E tempos depois, o homem criou o automóvel à sua imagem e semelhança. E vários automóveis reunidos criaram o trânsito engarrafado. E, no fim, voltou-se ao caos. Toda essa reflexão teve início quando participei, recentemente, de um evento realizados pela biblioteca da Escola de Pública de Trânsito do DetranRS, intitulado Roda de Conversa , que foi a culminância de um projeto que teve início há dois anos, chamado Clube de Leitura e se propôs ao estudo e debate dos capítulos do CTB (Código de Trânsito Brasileiro). Código esse que, durante o evento, foi citado por diversos participantes como sendo 'a Bíblia do trânsito". De maneira muito elucidante, um deles, a advogado da autarquia Luis Waschburger, discorreu sobre como o pacto social, ou contrato social, explica o surgimento do Estado e a organização da sociedade. Segundo ele, o pacto social é o ato voluntário que marca a transição do estado de natureza para a sociedade civil. No estado de natureza, os seres humanos vivem em igualdade de direitos, mas a ausência de leis civis gera conflitos. Para resolver esses conflitos, é necessário instituir um conjunto de leis civis que criem uma sociedade civil ou estado civil. O pacto social é fundamentado em um acordo entre os cidadãos e uma autoridade, em que os cidadãos abrem mão de alguns direitos individuais em troca da proteção do Estado. No entanto, no caminho do bem comum, o estado tem deixado tantas lacunas quanto são os buracos das nossas estradas! A sociedade, por sua vez, parece estar dia após dia mais preocupada com o bem-estar individual, a ponto de fazer com que, para que voltemos à barbárie da Idade Média, nos falte apenas um Rei e os feudos. Talvez o que nos reste seja apenas a fé. Durante muito tempo, acreditei que a fé humana fosse um atributo em vias de extinção. Porém, diante dos horrores praticados diuturnamente nas vias do país, percebo que o ser humano é um ser de muita fé: sobreviver em cidades onde outros humanos conduzem máquinas de mais de uma tonelada, cheias de líquido inflamável, a velocidades sobre-humanas e esperando que todos sigam leis, só crendo em alguma força divina mesmo!



















