FLAGRANTES QUE A VIDA (OU O GOOGLE) DÁ
- Rodrigo Vargas
- 21 de mai.
- 3 min de leitura

O Google Street View já flagrou de tudo um pouco: um homem vestido de cavalo andando pelas ruas de Londres, um carro perseguido por uma gangue de pombos em Tóquio, um mergulhador de terno no meio do deserto australiano e até um sujeito fugindo de zumbi em plena calçada — tudo isso registrado sem ensaio, sem direção e sem filtro. A ferramenta, criada para nos ajudar a encontrar endereços, acabou virando um acervo involuntário de situações bizarras, divertidas e, às vezes, bastante reveladoras sobre o nosso comportamento. Foi numa dessas “viagens virtuais” que me deparei com uma cena aparentemente banal, mas que diz muito sobre os hábitos perigosamente normalizados no nosso trânsito.
Dias desses, um colega me perguntou sobre o endereço de uma loja. Para garantir, fui consultar o bom e velho Google Maps. E lá estava ela: fachada simples, calçada estreita, placa visível… Tudo certo. Mas o que chamou minha atenção não foi a loja. Foi o que passava na frente dela no exato momento em que a imagem foi capturada: um caminhão de entulho. E lá estava o motorista — mãos no volante? Não. Olhos atentos ao trânsito? Também não. Ele manuseava o celular com a maior naturalidade do mundo. Um flagrante digital congelado na eternidade por um carro do Google.

O curioso? Eu nem estava procurando por isso. E foi aí que me dei conta: se até o Google Street View, que faz capturas pontuais e aleatórias, conseguiu flagrar esse comportamento, imagine o que está acontecendo nas ruas, o tempo todo, longe das lentes e dos cliques. A cena me arrancou um riso — daquele tipo que vem antes da indignação. Porque é tão absurdo quanto previsível.
Obviamente, o Google não saiu pelas ruas com a missão de flagrar infrações. Mas conseguiu. Sem querer. E isso nos diz muito. A frequência com que motoristas manuseiam o celular ao volante é tamanha que a chance de “pegar” um no ato virou quase estatística. É como lançar uma rede no mar e puxar um peixe — só que, nesse caso, o peixe está usando o WhatsApp.
Para quem dirige todos os dias, o celular no colo virou uma extensão do painel. A pessoa até se convence de que “dá conta”. Manda um áudio aqui, confere um grupo ali, responde rapidinho — tudo isso, claro, enquanto dirige toneladas de ferro em movimento. É a famosa ilusão de controle: “Eu sei o que estou fazendo”, “comigo não acontece”, “é só um segundo”. E aí vem a estatística teimosamente nos lembrar que segundos matam.
A coisa piora quando falamos de motoristas profissionais. Caminhoneiros, motoristas de ônibus, de aplicativos — todos com carga (e responsabilidade) a mais. No caso do flagrante que vi, era um caminhão de entulho. Mas e se fosse um ônibus escolar? Um caminhão-tanque? Uma ambulância? O comportamento é o mesmo, mas o impacto pode ser desproporcional. Um motorista experiente que usa o celular ao volante não é só um risco ambulante — é também um mau exemplo em movimento.
O mais irônico, talvez, seja isso: uma tecnologia (o carro do Google) flagrou o mau uso de outra tecnologia (o celular), que interfere negativamente na condução de outra (o veículo). Um triângulo amoroso moderno que termina, muitas vezes, em tragédia. A tecnologia, como diria um filósofo digital qualquer, não é o problema. O uso que fazemos dela, sim.
Fiquei pensando que talvez esse flagrante nem devesse me surpreender tanto. Mas me surpreendeu. Porque, no fundo, a gente ainda tem a esperança de que o absurdo não seja tão comum. E foi aí que percebi: às vezes, tudo o que precisamos para enxergar um problema que está diante dos nossos olhos… é justamente olhar de verdade. Até mesmo uma simples checada no Google Maps pode se transformar num espelho da nossa cultura no trânsito.
Se até o Google, que só passa uma vez por ano, flagrou um motorista ao celular, imagina quem passa por você todos os dias? Fica a reflexão — e o pedido: se for dirigir, guarde o celular. Do contrário, você pode acabar aparecendo no Street View… ou no noticiário.
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