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- VOCÊ EMPRESTARIA O SEU CARRO?
Recentemente nos despedimos do Virlei, um grande colega e amigo que se aposentou após 25 anos de serviço no trânsito e outros tantos de Brigada Militar. Durante sua última semana de trabalho, revisitava algumas das diversas lembranças desses quase oito anos de setor que compartilhamos. Dentre uma infinidade de memórias, uma em especial me marcou profundamente, da qual guardo uma imensa gratidão pela sua generosidade. Estávamos escalados numa fria manhã de sábado. Minha esposa havia passado a noite num hospital da redondeza se recuperando de um procedimento cirúrgico que fizera na noite anterior. Tão logo que recebo a ligação do hospital anunciando a sua alta, procurei meu chefe de atividade para explicar a situação e solicitar autorização para poder buscá-la e levá-la para casa. Autorizado, fui questionado pelo meu chefe e demais colegas de setor como a buscaria, já que estava sem carro, como já mencionado em outro artigo . Respondi que iria andando até o hospital, que ficava apenas a três quadras dali e, de lá, chamaria um transporte por aplicativo. Mais que imediatamente o Virlei enfia a mão no bolso e tira as chaves do carro, oferecendo-as em tom quase impositivo: "Então vai com o meu carro!". Há na nossa sociedade um conhecido dito popular que diz que “carro e mulher não se empresta pra ninguém”. Para além das conotações machistas da expressão, há razões de certa forma plausíveis para essa afirmação, que extrapolam os riscos inerentes às implicações legais e cíveis de um sinistro, por exemplo. Para muitos condutores, há uma relação de intimidade com seu carro que é expressa desde os cuidados com a manutenção, com a limpeza e indo até mesmo a extremos como a estética . E mesmo para aqueles mais despreocupados com esses fatores, o carro ainda reflete muito da personalidade de seu dono, apresentando, por exemplo, a organização de seus escritórios ou mesmo a desorganização de seus quartos. Assim, como forma de otimizar o tempo que a correria do dia a dia nos impõe, os carros muitas vezes acabam tornando-se extensões de nossas próprias casas . Para outros, entretanto, essa identificação é tamanha que o veículo passa a ser visto como uma extensão do próprio corpo ! Dessa forma, ao adentrar um carro emprestado, um simples ato de ajustar o assento ou os espelhos retrovisores, em menor ou maior grau, podem trazer uma desconcertante e constrangedora sensação de estarmos alterando decoração da casa do dono, ou até mesmo desarrumando o seu penteado (para não dizer coisa pior!). O fato é que, diante de tudo isso, me senti extremamente lisonjeado por ser digno da confiança de ter utilizado o carro não apenas do Virlei, mas de todos os amigos que já me brindaram com essa gentileza. Como sempre digo: Quero estar vivo para ver chegar o dia em que daremos a mesma importância para o carro que damos para uma chave de fenda. Ou seja, uma mera ferramenta. Enquanto esse dia não chega, tomara que tenhamos uma sociedade com cada vez mais pessoas dignas desse ato de extrema confiança e, principalmente, com a generosidade do Virlei!
- TRÂNSITO: O JOGO ONDE QUEM GANHA PERDE
O termo Jogo, do latim, “ jocus “, significa brincadeira, divertimento, podendo também ser descrito como toda e qualquer atividade em que exista a figura do jogador (como indivíduo praticante) e regras que podem ser para ambiente restrito ou livre. Embora os jogos sejam atividades estruturadas, praticadas com fins recreativos, em alguns casos podem fazer parte de instrumentos educacionais, onde são usados jogos para passar uma mensagem aos jogadores (vencedores e perdedores). Nesse sentido, cada vez mais tem se popularizado o termo Gamificação , também chamado de Ludificação , que é o uso de técnicas de design de jogos que utilizam mecânicas de jogos para enriquecer contextos diversos normalmente não relacionados a jogos. Dentre os diversos objetivos da gamificação, destaca-se a possibilidade de estimular os usuários a se engajarem com comportamentos desejados, tirando-se vantagem da predisposição psicológica humana de engajar-se em jogos. Sobre esse assunto, tive contato recentemente com esse vídeo da Especialista em Mobilidade Urbana, a querida Glaucia Pereira, fundadora do Multiplicidade Mobilidade Urbana , sobre gamificação no trânsito: Dentre outras interessantes reflexões, ela levanta quatro importantes pontos sobre o sistema de pontuação da CNH: O sistema de pontuação brasileiro mede o que ele se propõe a medir? A classificação das autuações em leve, média, grave e gravíssima faz sentido? Faz sentido a pontuação do condutor expirar a cada 12 meses? É justo que condutores profissionais tenham um limite de pontos maior que os demais? Pela complexidade das questões levantadas, vou me ater à primeira para não me alongar demasiadamente, pois creio que cada uma delas possa (e mereça) de forma individual render um artigo específico. Recentemente, no artigo A META INALCANÇÁVEL , discorri sobre técnicas de modelagem comportamental, conforme o behaviorismo. Nesse artigo, falei sobre o reforço, que aumenta a probabilidade de um determinado comportamento através da adição de uma recompensa ou pela retirada de um estímulo aversivo; e sobre a punição, que busca reduzir a probabilidade de um determinado comportamento através da adição de um estímulo aversivo ou da retirada de um estímulo reforçador do ambiente. No contexto do trânsito, fica evidente que o comportamento que se quer diminuir é o transgressor. Logo, inseriu-se uma punição através da adição de um estímulo aversivo, ou seja, a multa. Caso o jogador, ou melhor dizendo… o condutor venha a repetir o comportamento, procede-se com a retirada de um estímulo reforçador, no caso o direito de dirigir. Até aqui tudo bem. Mas, quando a Glaucia habilmente questiona se “ O sistema de pontuação brasileiro mede o que ele se propõe a medir “, é impossível não pensar: sendo o comportamento transgressor o fator que se quer suprimir da sua conduta, faz sentido que o condutor receba pontos quando é autuado? Não seria mais lógico que, assim como as vidas em um jogo, ele os perdesse? Essa pode até não ser uma discussão inédita, mas segue suscitando reflexão: Em uma sociedade de tamanha inversão de valores, onde o comportamento transgressor é exaltado (e até pontuado) e, em contrapartida, esterótipos como “CDF”, “caxias” e “joãozinho do passo-certo” são rechaçados, não pode acabar esse “jogo” tornando-se demasiadamente perigoso? Pode parecer uma questão simples, mas que, se tomada com a devida seriedade que ela merece, poderia dar um continue para a vida dos mais de 1 milhão de jogadores que levam um game over todos os anos.
- MOTO: PILOTANDO CONTRA O VENTO, SEM LENÇO, SEM DOCUMENTO
Uma pesquisa inédita realizada pela Secretaria Nacional de Trânsito (Senatran) aponta que, dos 32,5 milhões de donos de motocicletas, motonetas e ciclomotores registrados no Brasil, 17,5 milhões não são condutores habilitados na categoria. Ou seja, a quantidade de proprietários sem CHN válida representa 53,8% do total de donos desse tipo de veículo. Como base de dados, a Senatran usou o Registro Nacional de Veículos Automotores (Renavam). O documento completo pode ser consultado clicando aqui . De acordo com o estudo, essa grande quantidade de proprietários sem habilitação para conduzir motocicletas, motonetas e ciclomotores indica mudanças nas dinâmicas de uso desses veículos em território nacional. Entre os motivos que podem levar a esse resultado, estão o possível uso dos veículos por condutores sem habilitação, o que indica também questões sobre o acesso à CNH por parte da população. Outros motivos levantados são o crescimento de negócios com veículos compartilhados, com o aluguel de motocicletas ou motonetas, por exemplo. Frota nacional O levantamento também traz detalhes sobre o crescimento da frota de motocicletas, motonetas e ciclomotores no Brasil. Atualmente, os 34,2 milhões de veículos dessas categorias registrados no país em 2024 representam 28% do total da frota nacional. A expectativa é de que em seis anos esse percentual alcance 30%, mantida a tendência de crescimento apontada pelo estudo. Nesse cenário, cinco estados se sobressaem pela predileção pelos veículos automotivos de duas rodas. O Maranhão ocupa o primeiro lugar, com 59,7% do total da frota de veículos do tipo, sendo seguido pelo Piauí, com 54,5%, Pará, com 54,5%, Acre, com 53,1% e Rondônia, com 51,2%. A alta proporção aponta para uma predominância em estados do Norte e Nordeste devido a fatores econômicos, geográficos e culturais. Em número total, os estados com maiores quantidades de motocicletas, motonetas e ciclomotores estão distribuídos entre Nordeste, Sudeste e Sul. São Paulo lidera o ranking com 7 milhões de veículos registrados, sendo seguido por Minas Gerais, com 3,5 milhões, Bahia, com 2 milhões, Ceará, com 1,9 milhões, e Paraná, com 1,8 milhões. Tais números podem ser justificados pelas grandes populações de tais estados, que contam ainda com uma distribuição mais variada no que diz respeito aos meios de transporte de preferência. Habilitações Outro ponto de destaque do levantamento diz respeito à quantidade de pessoas habilitadas na categoria. De acordo com o Registro Nacional de Condutores Habilitados (Renach), constam mais de 39,4 milhões de CNHs que incluem a categoria A, que sugerem uma tendência crescente entre os condutores de buscar maior abrangência em suas habilitações, possivelmente motivada por fatores econômicos, como a diversificação das atividades profissionais e a adaptação às demandas do mercado de trabalho. O levantamento também traça um perfil dos condutores, que são predominantemente do sexo masculino (75%), com permissão também na categoria B (76,8%) e com faixa etária entre 30 a 39 anos (totalizando 11,6 milhões de pessoas), seguida pela faixa de 40 a 49 anos (10,2 milhões de condutores). FONTE: Ministério dos Transportes
- PILOTO AUTOMÁTICO: AINDA HÁ MISTÉRIOS ENTRE O CÉU E A TERRA?
Embora o primeiro voo comercial com passageiros tenha ocorrido em 1914, ainda hoje muitas pessoas têm medo de viajar de avião. Algo extremamente compreensível, se pensarmos de forma racional. Se viajar dentro de uma lata de alumínio a mais de 10 mil metros de altura não o deixa minimamente apreensivo, talvez o problema seja com você (risos)! No entanto, ainda que pareça loucura, o avião é considerado um dos meios de transporte mais seguros que existem. Há apenas uma forma de ganhar os ares de maneira mais segura: de elevador. Se, mesmo consciente da segurança dos aviões você ainda acha a ideia de viajar entre as nuvens perigosa, há uma explicação bastante plausível: isso já foi verdade em outros tempos. Felizmente, de uns anos para cá, muito mudou no que diz respeito à segurança na aviação. Atualmente, o maior risco numa viagem aérea está no trajeto até o aeroporto. Muito dessa segurança na aviação se dá pelos implementos tecnológicos desenvolvidos nos últimos anos. Hoje, é possível configurar o destino de voo e chegar lá com intervenção mínima do piloto ou copiloto. Aliás, esse é outro quesito que faz das viagens aéreas uma das modalidades de transporte mais seguras: o princípio da redundância. Ou seja, tudo é checado e revisado duplamente além de, é claro, haver sempre dois pilotos, dois motores e, no mínimo, dois instrumentos de navegação. Esse, muito provavelmente, seja o grande mistério que separa o céu e a terra em questões de segurança. Recentemente, um acidente com um veículo da Tesla nos Estados Unidos deixou dois mortos e foi responsável por um prejuízo de 6 bilhões de dólares ao CEO da empresa, Elon Musk . Há suspeitas de que o piloto automático do veículo tenha falhado, o que pôs novamente em cheque a segurança do sistema. No entanto, as autoridades locais, após controlarem o incêndio causado pela colisão, encontraram os corpos dos dois ocupantes do veículo: Um no banco do carona e outro no banco traseiro do veículo. Mesmo com as orientações de segurança para o uso do sistema de piloto automático da empresa dizerem que o condutor deve ficar sempre atento à estrada e pronto para intervir em caso de necessidade. É curioso pensar que, enquanto você lê esse texto, milhares de aeronaves estão sobrevoando as nossas cabeças simultaneamente, de forma praticamente autônoma. No site flightradar24.com é possível acompanhar em tempo real todas as aeronaves em operação. A imagem a seguir dá uma noção do tráfego aéreo: Entretanto, quando se fala em condução autônoma para veículos automotores isso ainda parece causar temor em muita gente. Talvez, pelo fato de estarem em uma caixa de metal sobre rodas a nível do mar (e não a 10 mil metros de altura), esses condutores não têm a exata percepção do risco em que estão e acabam se colocando em risco ainda maior pela falsa sensação de segurança. Contraditoriamente, um automóvel, que na lógica deveria ser imensamente mais seguro que um avião, acaba tirando muito mais vidas. O fato é que quando Shakespeare, em meados do ano de 1600, escreveu sua famosa peça Hamlet, na qual o protagonista profere a famosa frase “ Há mais mistérios entre o céu e a terra do que pode imaginar nossa vã filosofia “, obviamente não existiam carros nem aviões. Se o autor vivesse nos dias de hoje ou se a história fosse reeditada, certamente a frase seria “ Há mais mistérios entre o céu e a terra do que pode imaginar nossa vã tecnologia “.
- APERTE O BOTÃO E AGUARDE: ESSA LÓGICA AINDA FUNCIONA NOS DIAS DE HOJE?
Dia desses, me dirigia à parada de ônibus para ir ao trabalho. Era bem cedo da manhã ainda e o movimento nas ruas, ainda escuras, tanto de pedestres quanto de veículos, era bem reduzido. Por não ser aquele um horário com o qual estou habituado a ir trabalhar (e devido ao sono ainda remanescente), me rendi a certos automatismos, como, por exemplo, o de apertar o botão que ativa o semáforo de pedestres e aguardar. Como estou acostumado com um movimento bem mais intenso de veículos no horário que habitualmente saio, me vi surpreso por estar parado, aguardando o semáforo fechar para os veículos para terminar minha travessia. Veículos que, praticamente, inexistiam àquele horário. Fiz aquilo que a grande maioria faria nessa situação: atravessei, ainda que o sinal estivesse fechado para mim. Logo após terminar a travessia, um pensamento me invadiu a mente. Antes mesmo do remorso ou da culpa por ter cruzado o sinal vermelho, pensei “que sacanagem… daqui a pouco vai fechar o sinal e os carros (se houver algum) terão que parar para absolutamente ninguém passar!”. Foi só então que fui invadido por um sentimento de culpa. Mas, novamente, não por ter cruzado o sinal vermelho, mas por estar, de certa forma, atrapalhando o fluxo de veículos. Uma guerra interna se instalou na minha cabeça. Daquelas envolvendo o Id e o Ego , aos moldes freudianos mais tradicionais ( saiba mais ). Me despi de qualquer moralismo e decidi fazer as vezes de “advogado do diabo”. E quanto tempo temos nós, pedestres, que aguardar para realizarmos uma travessia de uma avenida? E quanto tempo temos para realizar uma travessia? Na esquina do meu trabalho, que fica às margens de uma grande avenida da cidade, tenho exatos nove segundo para vencer uma via de quatro faixas. Mesmo eu, um adulto jovem, com condicionamento físico mediano, tenho dificuldade para completar a travessia no tempo disponibilizado. Se me distraio olhando alguma mensagem no celular e perco dois segundo que seja, já tenho que dar aquela corridinha para chegar ao outro lado em tempo. E se pensarmos na travessia de um idoso? Porto Alegre é hoje considerada a capital brasileira dos idosos. Mais de 15% da população da cidade é de idosos, a maior em proporção do país entre as capitais. E, com o constante aumento da expectativa de vida esse número tende a crescer anualmente. Ou então qualquer outro cidadão com mobilidade reduzida, seja essa redução permanente ou temporária, como faria? Uma solução bastante interessante foi adotada há cerca de dois anos em diversos cruzamentos da cidade de Curitiba: Foram instalados semáforo inteligentes, juntos aos quais havia um sensor. À medida de um idoso ou pessoa com dificuldades de mobilidade se aproximasse para fazer a travessia, eles aproximam do sensor o mesmo cartão de isenção do transporte público e o semáforo, automaticamente, concede um tempo 50% maior para a travessia. Enquanto todas essas questões me inundavam a mente, me pus a imaginar uma metáfora. A de uma cidade de automóveis. Nessa cidade, os carros saíam todos os dias bem cedo de seus edifícios-garagem e tomavam as ruas à caminho de seus trabalhos, escolas, faculdades e etc. E já no portão de saída começava o primeiro impasse do dia: era quase impossível ganhar as ruas. O simples ato de atravessar a calçada, acreditem ou não, era um trabalho homérico. Tudo em função deles, pequenos parasitas, que cismavam em caminhar de um lado para o outro sem parar e, a cada dia, deixavam nossa cidade mais humanizada, ou seja, mais lenta, mais perigosa e difícil de transitar. Sem falar quando eles amassam nossa lataria com seu pequenos corpos cheios de ossinhos… insetos repugnantes! Semana passada mesmo tive que passar dois dias na chapeação por conta de um retrovisor quebrado em função de um pedante pedestre que não pôde esperar seu sinal abrir e atravessou a rua entre os carros ainda em movimento. Veja que absurdo… Certa feita, atrasado para um compromisso, resolvi pegar um atalho. Para minha surpresa, tive que retornar por onde viera. Tudo porque aquele grande espaço ajardinado (ao qual essas insignificantes criaturas dão o nome de praça) estava simplesmente infestado. Pessoas sentadas em cadeiras de praia gastavam seu tempo com conversas inúteis que (literalmente) não levavam a lugar algum, Crianças (acho que é esse o nome que eles dão àqueles filhotinhos…) corriam, gritavam e sorriam como se não soubessem que aquele espaço inútil irá, um dia, se tornar uma grande avenida, na qual o progresso da cidade escoará livremente. E falando em atraso… por que tantas faixas de segurança?! Isso sim é um atraso de vida… Se aquelas pessoas teimam em atravessar onde bem entendem! Já implantamos até gradis em alguns pontos mais críticos, mesmo assim fica difícil trafegar sem ser perturbado por um transeunte no meio da via… Não seria o caso de instalar algumas plaquinhas com frases do tipo “ Pedestre: aperte o botão e aguarde! “? Não podemos mais perder tantos carros… nossa cidade não suporta mais!
- NÃO ESPERE VER NO TRÂNSITO A EDUCAÇÃO QUE AS PESSOAS NÃO TÊM NA VIDA
Ainda que Porto Alegre não tenha em proporção uma das maiores frotas de motocicletas do país (torno de 12% do total de veículos), essas estão envolvidas em praticamente metade dos sinistros fatais do município. Em função disso, há alguns dias compartilhei nas minhas redes sociais a notícia de uma ação educativa realizada em um cruzamento de grande circulação da cidade que visava conscientizar sobre o uso correto dos bolsões para motos. Trata-se de uma área delimitada com sinalização viária específica para que as motos se posicionem próximo aos semáforos para dar mais agilidade ao trânsito. O objetivo é qualificar o deslocamento com agilidade e segurança dos motociclistas, trabalhando a questão do respeito e empatia mútua entre os usuários. Assim que eu compartilhei a notícia no meu LinkedIn , o professor do curso de Arquitetura da UFRGS, Júlio Celso Borello Vargas , fez o seguinte comentário: É mesmo dessa "educação" que precisamos? Tão instigante quanto o seu comentário (com o qual concordo completamente, diga-se de passagem) foi a imagem anexa ao mesmo (a mesma do banner do artigo). Achei o registro fotográfico de tamanha genialidade que não poderia deixar de homenageá-lo com algumas reflexões. A imagem esclarece de maneira tão sutil e, ao mesmo tempo, tão estrondosa uma triste realidade e seus reflexos na sociedade, que só quem conhece o local sabe do que se trata. Àqueles que não conhecem, segue um breve resumo: A avenida em questão é a Osvaldo Aranha, importante via que liga a zona leste à região central da capital. Ao fundo, é possível visualizar o prédio do Instituto de Educação General Flores da Cunha , que é apenas o mais antigo estabelecimento de ensino secundário e de formação de professores do estado. Fundado em 1869 e desde 1937 em sua atual sede, desempenhou um papel central na educação no Rio Grande do Sul. Ocorre que o prédio, que é tombado pela Prefeitura e pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado do Rio Grande do Sul, foi negligenciado durante anos, e desde 2016 está fechado para reformas, que foram paralisadas várias vezes. O governo apresentou em 2022 um novo projeto para seu funcionamento e pretende transformar o prédio histórico em um centro cultural, em parte gerenciado pela iniciativa privada, despertando o protesto dos professores, alunos, comunidade e uma série de organizações civis. Se a educação para o trânsito pode ser considerada a ARTE DE ENXUGAR GELO , então o motociclista da imagem, atravessando o corredor exclusivo para ônibus através de uma ciclovia, é, infelizmente, apenas a ponta do iceberg. Um enorme e centenário iceberg, tombado pelo Patrimônio Histórico e que está, inclusive, em vias de se tornar um belo Museu para celebrarmos a memória de uma educação que já foi referência para todo o país. E ainda há quem jure que o aquecimento global não existe...
- REVISÕES A CADA 10 ANOS. O QUE VOCÊ ACHA?
A manutenção veicular tem como objetivo verificar o desempenho do veículo, precavendo ou resolvendo eventuais desgastes de seu sistema e de suas peças. A revisão assegura que o veículo esteja funcionando corretamente, de modo que seja possível trafegar em segurança e na sua falta o condutor estará mais propenso a se envolver em acidentes de trânsito. Como já mencionei em TERCEIRIZAÇÃO DA CULPA E O RELATIVISMO MORAL NO TRÂNSITO , o CTB é bastante claro ao atribuir ao condutor a responsabilidade pelas condições de conservação do veículo, prevendo, inclusive, multa para quem conduzir qualquer veículo que ponha em risco a segurança viária. As revisões são indicadas pelas próprias montadoras no momento da compra de um carro 0 km, ficando registradas no próprio manual do veículo, a fim de assegurar a garantia de fábrica do mesmo. Geralmente, esse prazo gira em torno de um ano ou então 10 mil quilômetros rodados, podendo variar conforme os modelos de carro e as montadoras. No entanto, especialistas em segurança viária apontam que falhas mecânicas nem mesmo de longe representam uma das principais causas de acidentes. Segundo o ONSV (OBSERVATÓRIO Nacional de Segurança Viária), se unirmos a essa causa os problemas viários, juntos representariam aproximadamente 10% do total de fatores causadores de acidentes de trânsito, atribuindo-se os outros 90% a uma outra peça de manutenção bastante difícil (diga-se de passagem): nós, amáveis seres humanos. Visando subtrair dessa equação o fator humano, cientistas do mundo inteiro trabalham há mais de uma década para viabilizarem a adoção da tecnologia de automação veicular. Medida essa que seria responsável por poupar, no mínimo, centenas de milhares de vidas anualmente em todo o mundo. Mas, enquanto essa tecnologia não chega, gostaria de falar sobre o trabalho de outros cientistas: os cientistas políticos. Não necessariamente aqueles graduados em Ciências Políticas, mas aqueles “estudiosos” eleitos por nós para nos representar no âmbito executivo e legislativo. Recentemente, foi aprovado pela Câmara de Deputados o Projeto de Lei 3267/2019. Dentre as diversas alterações, o PL amplia para 10 anos o prazo para renovação do exame de condutores de até 50 anos de idade. Sem entrar no mérito da eficácia dos exames realizados, eu fico me perguntando: por que o fator mecânico, que é responsável por menos de 10% dos acidentes, nos gera tanta preocupação a ponto de realizarmos revisões anuais? E, em contrapartida, o fator humano, responsável por 90% dos acidentes, não nos parece preocupar que seja revisado a cada 5 ou mesmo 10 anos, conforme o PL? Você andaria tranquilamente a bordo de um veículo sabendo que ele foi revisado pela última vez há 10 anos atrás? Se não for imprudência, me parece, no mínimo, excesso de confiança nessa “peça” que gera tantos acidentes… Não estaria na hora de um Recall ?
- MOBILIDADE SEM FIOS: O FUTURO QUE (LITERALMENTE) NOS CONECTA
Imagine uma cidade onde veículos elétricos circulam sem parar para recarregar. Onde ônibus se abastecem de energia enquanto embarcam passageiros. Onde não é preciso descer do carro, puxar cabos, nem disputar vaga em estação de recarga. Parece coisa de ficção científica? Pode até parecer, mas essa realidade está cada vez mais próxima graças à transmissão de energia elétrica sem fio — também chamada de wireless power transfer (WPT) . Uma revolução sobre rodas (e sem cabos) A ideia é simples, mas o impacto é imenso: transmitir energia por indução eletromagnética entre o solo e o veículo, sem a necessidade de fios ou conexões físicas. Essa tecnologia pode ser aplicada tanto em pontos fixos (como garagens, estacionamentos e pontos de ônibus) quanto em vias públicas , permitindo o carregamento dinâmico enquanto o veículo está em movimento. Isso significa que carros elétricos poderiam ser alimentados durante o trajeto, reduzindo significativamente a necessidade de grandes baterias. Com menos tempo parado e mais tempo rodando, temos ganhos em eficiência, produtividade e sustentabilidade. Transporte público mais inteligente Ônibus elétricos, por exemplo, poderiam se recarregar em pontos estratégicos ao longo do trajeto — sem necessidade de paradas prolongadas. Isso reduziria o tempo de inatividade, o custo com infraestrutura de recarga e o impacto ambiental do transporte urbano. A recarga sem fio também se alinha com a tendência dos veículos autônomos . Afinal, se um carro não tem motorista, como ele vai plugar o carregador? Com a tecnologia certa no solo, ele nem precisaria se preocupar com isso. Basta parar no lugar certo — ou nem isso, se estiver se movimentando sobre trilhas eletrificadas. Sustentabilidade e segurança energética Com mais facilidade para carregar, a adesão aos veículos elétricos tende a crescer. Isso se traduz em menos emissões de poluentes , menos ruído urbano e uma mobilidade mais limpa e resiliente. Além disso, elimina a necessidade de manuseio constante de cabos e conexões, o que melhora a segurança e reduz custos de manutenção. Mas nem tudo são flores... Apesar de promissora, a tecnologia ainda enfrenta obstáculos. O custo de implantação é elevado, a eficiência energética precisa melhorar, e há uma necessidade urgente de padronização global , para que os sistemas sejam compatíveis entre si. Ainda assim, os testes já realizados em países como Coreia do Sul, Alemanha e Estados Unidos mostram que a recarga sem fio é mais do que possível — é inevitável . E se fosse no Brasil? Num país onde problemas de mobilidade urbana se misturam com questões sociais, culturais e estruturais, pensar em transmissão de energia sem fio pode parecer utópico. Mas talvez seja exatamente esse tipo de “pulo do gato” tecnológico que precisamos para quebrar paradigmas. Aliás, essa tecnologia pode ter um efeito colateral extremamente positivo por aqui: combater o furto de cabos elétricos , uma praga urbana que compromete a sinalização, apaga semáforos e transforma cruzamentos em arenas de risco. Com energia fluindo invisivelmente pelo ar, os ladrões de cobre finalmente ficariam sem matéria-prima para sua atividade — e o trânsito, sem desculpas para tantos apagões.
- HIDROGÊNIO: UM ARCO-ÍRIS DE POSSIBILIDADES
Você já passou por aquela situação em que está procurando as chaves de casa, revirando tudo... e, no fim, descobre um dinheiro esquecido dentro do bolso do casaco? Pois foi mais ou menos isso que aconteceu recentemente com um grupo de cientistas na França. Eles estavam atrás de metano, mas, por acidente, tropeçaram em algo que pode mudar o jogo da energia no mundo: um reservatório natural de hidrogênio subterrâneo . Sim, literalmente, encontraram gás do bom enterrado a três mil metros de profundidade. Essa descoberta é mais do que uma simples coincidência feliz — é um achado com potencial para provocar uma nova “corrida do ouro” energética , mas com um detalhe: nesse caso, o ouro é invisível, inodoro e pode mover caminhões, ônibus e até aviões com impacto ambiental mínimo. Bem-vindo ao maravilhoso mundo do hidrogênio branco , também chamado por alguns de hidrogênio dourado (e, convenhamos, esse nome combina muito melhor com a narrativa do pote no fim do arco-íris, né?). Mas, afinal, que arco-íris é esse? Engana-se quem pensa que hidrogênio é tudo igual. Dependendo da forma como ele é produzido, ele recebe uma cor diferente — não no sentido literal, claro, mas como uma espécie de "rótulo ecológico" que indica se o processo é limpinho ou nem tanto assim. Vamos dar uma voltinha por esse arco multicolorido: 🟢 Hidrogênio verde : o queridinho da sustentabilidade. Produzido com eletricidade de fontes renováveis, sem gerar poluição. É tipo o vegano do mundo dos combustíveis. Hoje, representa menos de 1% da produção mundial. 🔵 Hidrogênio azul : nasce do gás natural, mas tenta compensar os danos capturando o CO₂ gerado. É como aquele amigo que come carne, mas só se for orgânica e de gado feliz. Corresponde a cerca de 1% a 2% da produção global, com tendência de crescimento. ⚫ Hidrogênio cinza : também vem do gás natural, mas sem se preocupar com as emissões. Tá nem aí pro planeta. É o mais usado no mundo, responsável por cerca de 95% da produção atual. 🟤 Marrom/preto : extraído do carvão. Polui horrores. Basicamente, o vilão da história. Responde por uma pequena fração (~1% a 2%), mas com alto impacto ambiental. 🟡 Amarelo : produzido com energia elétrica da rede, que pode ser boa... ou nem tanto. Vai depender da origem dessa energia. Ainda raro, sem percentual significativo estimado. 🟣 Rosa (ou vermelho) : gerado com energia nuclear. Sustentável? Depende do ponto de vista (e do país). Também incipiente, com iniciativas experimentais em alguns países. ⚪ Branco/dourado : o tal do natural , encontrado já prontinho no subsolo. E aí voltamos à França, onde essa joia rara apareceu sem nem ser convidada. Ainda não é explorado comercialmente — mas promete mudar essa tabela. O pote de ouro energético A comparação com o arco-íris não é só pela brincadeira das cores. A ideia de encontrar uma fonte de energia limpa, abundante e acessível se parece mesmo com aquela lenda do pote de ouro no fim do arco-íris . Só que, nesse caso, o ouro é gasoso — e promete alimentar não só sonhos, mas também ônibus, navios e quem sabe até naves espaciais (ok, vamos com calma...). A descoberta francesa reacende a esperança de que, talvez, não precisemos construir um futuro energético inteiramente novo — talvez parte dele já esteja enterrada sob nossos pés , só esperando para ser encontrada. Claro, ainda há muitos desafios: exploração segura, viabilidade econômica, infraestrutura. Mas como toda boa caça ao tesouro, o caminho já começou. E se, no fim das contas, essa nova fonte de energia nos ajudar a deixar o mundo mais limpo, mais eficiente e menos dependente de combustíveis fósseis... então valeu a pena ter perdido as “chaves” e encontrado o “dinheiro no casaco”.
- FACELIFT: A BELEZA ESTÁ NO PARA-BRISA DE QUEM VÊ
O mercado da beleza, sobretudo com a evolução tecnológica e financeira, tem movimentado cada vez mais dinheiro. Conforme dados da Abihpec (Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos), em 2018 a área movimentou R$ 47,5 bilhões. A indústria da beleza cresceu 10% e movimenta mais de R$ 101 bilhões ao ano, desde 2001. No entanto, em um país onde, segundo o Ministério da Economia, o setor automotivo representa 22% do seu PIB industrial, os cuidados com a beleza não poderiam ficar apenas no âmbito da estética humana. Coincidentemente, há pouco tempo postei essa imagem nas redes sociais: Essa imagem me remete a uma pequena história que se passou com uma colega de trabalho há alguns meses. Com o início da pandemia do Covid-19, por estar sem carro, a colega em questão pegou o carro do pai emprestado para vir trabalhar diariamente e não correr riscos de contaminação no transporte público. Ocorre que, certo dia, no intuito de desinfetar o veículo, ela passou álcool gel no painel do mesmo. Muito provavelmente, em contato com o plástico do painel, o álcool deve ter reagido e desbotado a superfície cinza chumbo, deixando uma mancha esbranquiçada bem acima da direção do carro. Ela, apavorada com a possível reação do pai ao descobrir a mancha, após alguns dias lembrou de uma amiga que tinha uma estética automotiva. Após algumas horas de “tratamento” e diversos “produtos de beleza” diferentes, felizmente foi possível remover a mancha, trazendo quase que por completo a cor original do painel. O processo de humanização do automóvel é um tema recorrente nos meus artigos. Já mencionei em outro artigo como eu divertia-me fazendo caretas e tentando imitar a “cara” dos carros que passavam pela rua quando era criança. Bem como sua transformação em astro até mesmo nas telas de cinema, em CARRO, NASCIDO EM BERÇO ESPLÊNDIDO . Entretanto, essa semana pensava sobre um aspecto que nunca havia refletido: o facelift . Pela tradução literal, face (rosto) + lift (erguer), podemos inferir o sentido da expressão. No campo da beleza, refere-se a um processo cirúrgico de rejuvenescimento facial. No automotivo, a um processo utilizado por todos os fabricantes de automóveis, o facelift ajuda a dar uma “cara” mais moderna aos carros. É bem verdade que eventualmente, em ambos os casos, o facelift acaba gerando um resultado visualmente não muito agradável. Mas, como já dito no título do artigo, a beleza está nos olhos… ou melhor, no para-brisa de quem vê. Afinal de contas no mundo automotivo, muitas vezes, quem vê cara não vê manutenção.
- A META INALCANÇÁVEL
Minha esposa é gerente em uma rede de óticas porto-alegrense. Assim como muitos comerciários, ela é comissionada pelas suas vendas. Além das comissões e do seu salário fixo, ela ainda recebe algumas premiações sobre algumas vendas e quando alcança a meta da loja. No entanto, essa meta é estipulada pelo proprietário da rede e nem sempre corresponde a um valor razoável, tornando-a assim praticamente inalcançável. Receba novas postagens direto no seu WhatsApp. Existem na psicologia comportamental, ou behaviorismo, algumas premissas que falam a respeito da modelagem comportamental, chamadas de reforço ou estímulo reforçador . Segundo essas premissas, o reforço pode ser positivo ou negativo. Perceba que isso em nada tem a ver com a qualidade do estímulo, ou seja, não quer dizer que o reforço é bom ou ruim, mas sim a adição ou subtração de um estímulo. Sendo assim, o reforço positivo aumenta a probabilidade de um determinado comportamento através da adição de uma recompensa. Usando o exemplo da minha esposa, onde, esperando que seus vendedores demonstrem maior empenho nas suas vendas, o dono da rede oferece premiações para recompensar àqueles que alcançarem as metas por ele estipuladas. Já o reforço negativo também aumenta a probabilidade de um determinado comportamento, porém pela retirada de um estímulo aversivo. Imaginemos que minha esposa tivesse medo de baratas (que não é o caso, pois dessa forma ela nunca trabalharia no centro de Porto Alegre!). É bem provável que realizando dedetizações mais frequentes ela pudesse vender de forma mais tranquila, com mais empenho e, consequentemente, os lucros da loja aumentariam. É bastante comum que se confunda reforço negativo com punição . Enquanto aquele busca aumentar determinado comportamento através da retirada de um estímulo aversivo, o último é a adição de um estímulo aversivo que busca reduzir a probabilidade de um determinado comportamento. Nesse caso teríamos uma punição positiva . Um exemplo se daria caso a minha esposa faltasse o trabalho um dia e fosse descontada no seu salário. Ou seja, a falta é o comportamento que se quer reduzir, o desconto o estimulo aversivo. Assim como o reforço, há também a punição negativa , que se dá quando retira-se um estímulo reforçador do ambiente. Utilizando o mesmo exemplo, poderíamos substituir o desconto pela perda de uma folga. Ainda que sejam técnicas bastante eficazes, há de se atentar a certos detalhes para que as mesmas funcionem de forma satisfatória. No caso da punição positiva, por exemplo, é importante que o estímulo aversivo seja inserido logo após o comportamento que se espera reduzir. Suponha que o dono da ótica resolva descontar todas as faltas de cada funcionário apenas no final do ano. É bem provável que esse nem vá mais se lembrar do porque está sendo descontado e que o comportamento de faltar ao trabalho siga ocorrendo. Da mesma forma o reforço positivo, que se dá através da repetição. Se o funcionário tiver uma meta que dificilmente é batida ela não servirá para motivá-lo a vender mais para alcançá-la. Agora chega de vendas e vamos ao trânsito Bem, minha ideia não era me aprofundar em técnicas de vendas, motivacionais ou comportamentais, mas contextualizar para entendermos como algumas propostas de mudanças no CTB (Código de Trânsito Brasileiro) impactarão no comportamento dos condutores caso entrem em vigor. O Projeto de Lei 3.267/2019, entregue pelo presidente Jair Bolsonaro há aproximadamente um ano e aprovada com alterações pela Câmara dos Deputados recentemente aguarda para ser votada no Senado. Dentre outras alterações, o PL propõe que motoristas profissionais tenham o limite de pontos na sua CNH (Carteira Nacional de Habilitação) ampliado de 20 para 40 pontos. Assim, a reciclagem, que atualmente pode ser solicitada a partir dos 14 pontos até o limite de 19 pontos, passará a poder ser solicitada de 30 à 39 pontos. Na prática, a regra abrirá a possibilidade de que o condutor profissional atinja 39 pontos, faça o curso, zere o prontuário e posteriormente acumule mais 39 nos 12 meses seguintes, sem que a sua habilitação seja suspensa. Ou seja, na somatória, o PL concede ao condutor a chance de chegar a 78 pontos no mesmo ano, mantendo-se o direito de dirigir. Ora, não é preciso nenhum curso de Psicologia para presumir o que tal regra influenciará no comportamento dos condutores, é? Apenas para esclarecer: se você achou que perder o direito de dirigir será a “meta inalcançável”, além de não entender nada do que eu expliquei sobre reforço e punição, você não conhece o trânsito brasileiro! Caso o PL entre em vigor, a meta inalcançável será continuar lutando por um trânsito menos violento, por condutores mais conscientes e educados, sobretudo esbarrando na miopia de um legislativo que parece não (querer) enxergar as consequências das próprias escolhas. Talvez o jeito seja abandonar essa meta e passar a vender óculos…
- “TUNING”: CRIADO A NOSSA IMAGEM E SEMELHANÇA
Como alternativa aos intermináveis engarrafamentos nos quais nos vemos imobilizados diariamente durante horas, o humorista e cartunista Maringoni utiliza a figura de um inusitado personagem existente no trânsito: o pedestre. Ele afirma que, por mais incrível que pareça, mesmo tratando-se de uma prática antiquada e obsoleta, ainda existem pessoas que andam a pé! Pés que, segundo o autor, “[…] são aquelas extremidades usadas para se acionar outra parte do corpo humano: os pedais do automóvel”. De forma irônica, ele defende a ideia do automóvel como extensão do próprio corpo, definindo-o como “[…] órgão indispensável do corpo humano, o automóvel rege nossas vidas, mesmo que você não tenha um. Como se sabe, o homem começou andando de quatro, ficou de pé como homo erectus e agora ficou de quatro, novamente. De quatro rodas”. Entretanto, Maringoni adverte quanto à dificuldade em aderir à prática do ato de caminhar, já que, segundo o mesmo, essa é uma prática que necessita que a pessoa fique na posição vertical, posição que não é a natural do corpo humano, ou seja, sentada num banco de automóvel a maior parte do tempo. Por isso, ele elenca uma detalhada série de instruções ensinando, passo-a-passo, a prática de caminhar. Mas, por fim, ele tranquiliza o aspirante a pedestre, incentivando-o a não desistir e afirmando: “Logo você perceberá que essa prática é tão natural quanto respirar ou dirigir”. O carro é construído, segundo diversos autores, como um prolongamento dos corpos dos homens, em particular. Além disso, parece ser um prolongamento de seus sentimentos, suas vontades e seus gostos. Esse prolongamento sugere um processo de transformação dos corpos que nos faz, consequentemente, retomar a nossa relação com a máquina, sobre a nossa potência a partir da máquina e sobre a máquina que agrega características humanas. Há muitas formas de se personalizar um carro e de incorporá-lo como uma extensão do corpo. As questões sobre as corporificações da máquina ganham espaço no mundo automobilístico a partir da prática do tuning e de diferenciações na escolha de acessórios. O tuning trata, em alguns casos, de caracterizar o carro com aspectos bastante humanos. A função de tornar um carro tunado é fazê-lo ter as características mais pessoais possíveis, seja em aspectos que digam respeito a características de um determinado grupo, seja em aspectos bem singulares, o que acarreta, muitas vezes, numa mudança quase total no design do carro. A priori, esses carros não tem valor comercial, porque cada carro está adaptado ao seu dono ou a quem o idealizou. O carro torna-se, então, exclusivo, e a ideia é que esse carro não seja vendido, porque ele é a marca registrada, singular, de quem o possui. Assim, o carro tunado parece ter aquilo que é só de um sujeito, mas, de certa maneira, confirma o que se espera dos sujeitos e apresenta a sua relação com a sociedade. Isso me faz lembrar um episódio que me ocorrera no trânsito. Certa feita, deparei-me com uma cena memorável e no mínimo curiosa. Enquanto trafegava por uma movimentada avenida de Porto Alegre, fui surpreendido por uma manobra inesperada de um carro que trafegava na faixa ao lado. O carro em questão, assim que visualizou uma brecha de alguns metros entre a frente do meu carro e o carro que estava a sua frente, não hesitou em trocar de faixa, sem ao menos dar sinal. Assim que ultrapassou o carro que estava a sua frente (pela direita, diga-se de passagem) acelerou sem se importar com os sons da frenagem que fui obrigado a executar para não abalroá-lo por ter “cortado” a minha frente. Tratava-se de um Volkswagen Gol, já com uns bons dez anos de uso, mas muito bem conservado. Era de cor dourada. Tinha rodas de liga leve tão grandes que quase não cabiam sob os para-lamas. Suspensões rebaixadas e vidros com películas tão escuras que mal se podia enxergar se quem o conduzia era homem ou mulher. Como se costuma usar nas gírias do trânsito aqui do sul, o legítimo carro de “Magal”. Como há muito tempo as questões ligadas ao trânsito me interessavam, aquele ato me instigou a refletir. Acompanhei então de longe aquele veículo que seguiu com suas manobras e peripécias por entres os demais carros que ultrapassava, sem nunca dar sinal algum, é claro. E, enquanto observava, me peguei pensando: quem estaria a conduzir aquele carro? Que tipo de pessoa? Com que motivações? Por que aquela pressa tão grande a ponto de, com suas manobras, por em risco não só a sua vida, mas as dos outros condutores porque passava? Tais questões me inundaram a mente de tal forma que, sem que me desse por conta e mesmo seguindo em velocidade igual ao fluxo normal do tráfego, acabei alcançando aquele mesmo veículo que me “cortara a frente” há uns dois ou três semáforos atrás. Parados lado a lado no sinal vermelho, continuei a observar o carro, na tentativa de ter alguma pista de quem poderia estar por de trás daqueles vidros. Porém, com uma motivação pura e simplesmente científica. A curiosidade me tomou de tal maneira que não sobrou espaços para qualquer tipo de gesto de hostilização rancorosa ou moralista. Interessava-me apenas descobrir se havia alguma relação de similaridade entre carro e dono. Foi quando, repentinamente, um dos vidros do carro baixou e minhas expectativas foram atendidas. De dentro do carro pude enxergar dois jovens, de não mais que vinte e cinco anos, ambos de bonés coloridos e sem camisas. Percebi que aquele que estava ao volante me dirigiu a palavra, mas, por estar com o rádio do meu carro ligado, não pude ouvir do que se tratava. Baixei o volume, voltei a cabeça para a janela fazendo sinal de que não havia escutado para que ele repetisse. Foi quando ele, com tom irritadiço, perguntou: “o que tu tá olhando, meu?!”. Confesso ter ficado um tanto quanto perplexo pela sua pergunta. Primeiro pelo fato de ter me pegado completamente de surpresa. E segundo por não entender o porquê do seu tom nervoso. Decidi então me fazer de rogado e fazer novamente sinal de que não havia entendido a sua pergunta, quando ele repetiu novamente, dessa vez parecendo estar ainda mais indignado: “o que tu tá olhando, meu?!”. Fiquei intrigado pela forma como o simples fato de eu estar olhando para o seu carro o deixou irritado. Tão irritado quanto se eu estivesse olhando para sua esposa, por exemplo. Ou até mesmo encarando o próprio condutor. Volto a lembrar que, pelo tom da película, era impossível enxergar o que quer que fosse dentro do veículo. Tendo certeza de que, pela sua pergunta e pelo seu tom de voz, nenhuma resposta que eu viesse a dar poderia acabar esse diálogo de maneira amigável, decidi me limitar a rir de forma irônica levantando o vidro do carro e seguindo, assim que o sinal abriu, o meu caminho. A “personalização do carro” passa por um enfoque de cumplicidade. O carro é colocado não somente como um objeto de consumo e utilidade, mas também como uma extensão dos corpos. Nesse caso, nós e a máquina complementamo-nos e, hibridizando-nos, nos constituímos. Parafraseando o cartunista e humorista Maringoni quando diz que “Deus criou o homem e esse, tempos depois, criou o automóvel a sua imagem e semelhança”, caberia, nesse contexto, a concepção de um décimo primeiro mandamento: “não cobiçarás o veículo do próximo!”.



















