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"Posso estacionar aqui?": sobre um observador tomando um café e o desejo de não ser malvisto



Havia um tempo em que tinha o hábito de frequentar padarias. Aqui no Sul, as padarias geralmente oferecem outros serviços, como cafés e doces. Assim, uma passada para buscar pão não raro nos chama para um café.

Era um domingo a tarde, numa cidade do interior. Na época, recém o Município havia nomeado agentes da autoridade de trânsito municipal, mas já se sabia que estavam atuando.

Como psicólogo, tenho a tendência de observar as coisas para além do mero comportamento manifesto. Não raro, claro, corro o risco de estar pensando demais e para além de como as coisas são, mas é um bom exercício mental.



Mas algo aconteceu naquela tarde de domingo. Estava eu degustando meu café próximo à entrada da padaria. No outro lado da rua, uma placa de regulamentação que imperativamente trazia a mensagem de que é proibido estacionar ali.

Um automóvel imobilizado. Um condutor saindo do carro e se direcionando à padaria do outro lado da rua. E eis que ocorre o seguinte diálogo:


  • “Boa tarde”, disse o então condutor.

  • “Boa tarde”, respondeu o atendente da padaria.

  • “Não tem problema eu deixar o carro ali, né?” apontou o condutor para o seu veículo.

Levando o atendente uns 2 segundos para se curvar à frente do balcão, olhar a sinalização e responder com tranquilidade: "Não, tudo bem, hoje é domingo".


O condutor, aliviado e satisfeito, e provavelmente adorador de café como eu, sentou-se numa mesa próxima e passou a olhar o cardápio.


Na minha mente fervia a vontade de perguntar (minha timidez e a vontade de manter a paz de domingo não me permitiram) ao recém chegado o porquê dele ter perguntado ao atendente se poderia estacionar no local onde há uma sinalização proibitiva.


Passei, então, a pensar por mim e levantar hipóteses. Para não estender e abusar da sua paciência, vou direto à minha conclusão: o condutor, sabedor do significado da sinalização e de que estava em uma posição potencialmente reprovável, buscou no atendente da padaria (e poderia ser até mesmo a própria autoridade de trânsito do Município, não teria esse poder) um viés de confirmação, como um mecanismo de defesa, até mesmo de diluição de culpa. Ora, se o condutor se pusesse a refletir sobre o seu comportamento (evidente que não o fez), iria perceber que sua preocupação não estava na possibilidade de ser autuado, muito menos na sua preocupação de estar infringindo alguma norma. No fundo, reina nele o desejo de não ser malvisto, de sofrer uma reprovação social dos demais pares e, principalmente, o desejo de sentir-se parte de uma conivência, do tipo “tamo junto”, ou seja, poder fazer errado sem parecer (ser) errado.


Pode ser exagero? Até pode. Mas que não deixa de ser uma hipótese provável, já que somos uma espécie que moldamos nosso ser em busca de aceitação do outro. Ora, a nossa própria personalidade é uma “coisa” oriunda dos relacionamentos com outras pessoas.


Tudo isso se passou em poucos segundos, mas representou algo que jamais esqueci e que, não raramente, vi ocorrer em outros contextos, o que reforça a hipótese de que não queremos ser mal vistos pelos nossos pares. O resto pouco ou nada importa.


 
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