
Do alto dos meus 18 anos, enquanto office-boy, a primeira profissão que exerci de maneira formal, uma das minhas diversas atribuições consistia em realizar "tarefas externas" aos corretores da empresa, pequenos favores para que eles não precisassem se ausentar do escritório e, dessa forma, não perdessem importantes negócios. Uma dessas tarefas ocorria com uma frequência quase tão grande quanto a que eu ia aos bancos ou às agências dos Correios.
Quase semanalmente, meu chefe me pedia para que fosse no Tudo Fácil, uma espécie de central de atendimento que oferece uma variedade de serviços presenciais de diferentes órgãos públicos e privados. Dentre eles o DETRAN-RS, onde eu levava as autuações (quase todas de dirigir falando ao celular) para reconhecer condutor, ou melhor, passar os pontos hora para a esposa, hora para a filha, hora para um sobrinho... Acho que eu só não recebi alguns pontos dele porque ainda não tinha habilitação!
Desde essa época, antes mesmo de começar a trabalhar diretamente com trânsito, eu sempre me questionei: que diferença faz uma multa de 80 e poucos reais (àquela época) para um empresário que anda num Passat alemão e segue cometendo a mesma infração quase que semanalmente, pois fatura todo mês milhares de vezes o valor daquela multa?
O deputado federal Kiko Celeguim (PT-SP), muito provavelmente pensando nisso, criou uma proposta que, segundo ele, está fundamentada em princípios de justiça social. O Projeto de Lei 78/25 substitui o valor fixo das multas de trânsito por um percentual do preço de mercado do veículo e visa tornar o sistema de aplicação de multas de trânsito mais equitativo. O texto, em análise na Câmara dos Deputados, altera o Código de Trânsito Brasileiro.
O deputado avalia que o modelo atual, de valores fixos, gera consequências desproporcionais entre os motoristas de diferentes classes sociais, e não pune adequadamente os condutores de alta renda. Segundo ele:
"Enquanto para proprietários de automóveis de menor valor o impacto financeiro das multas pode ser extremamente significativo, para condutores de veículos de luxo, o mesmo valor torna-se irrisório", compara Celeguim. Desta forma, continua o deputado, a multa não funciona "como um elemento educativo ou dissuasório”

(Fonte: Agência Câmara de Notícias)
Entendo perfeitamente e compartilho da mesma preocupação do nobre parlamentar. Porém, na minha singela opinião, isso se aplicaria muito bem a proprietários de SUVs gigantescas ou carros de luxo ou esportivos importados. Mas e quando o condutor não for necessariamente o proprietário do veículo? Como fica a situação de um caminhoneiro ou motorista de ônibus que, para conduzirem veículos que frequentemente chegam à casa dos milhões de reais, recebem um salário que é menor que um auxílio paletó?
Se a PL substituísse o valor fixo das multas por um percentual da renda declarada do condutor ao invés do valor de mercado do veículo, teria todo o meu apoio. "Ah, Rodrigo... Mas eu posso fraudar a minha declaração do imposto de renda!" - você pode estar pensando. E eu respondo: "Sim! Por enquanto...". A tecnologia está avançando a ponto de que tanto esse tipo de fraude, quanto partilhar a pontuação do meu prontuário da CNH com familiares e funcionários, sejam cada vez mais raras. Se hoje um simples smartphone já conta com sistemas de reconhecimento facial e de digital, você já se perguntou porque os veículos ainda não os têm?
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Excelente texto!