SILENCIAR NÃO É O MESMO QUE EDUCAR
- Rodrigo Vargas
- 11 de jun.
- 2 min de leitura

Em um artigo que compartilhei recentemente — “Quantas Boates Kiss o trânsito matou nos últimos 10 anos?” —, comparei a comoção nacional gerada pela tragédia em Santa Maria com o silêncio quase absoluto diante das dezenas de milhares de mortes anuais no trânsito brasileiro. Mortes previsíveis, evitáveis, que se repetem ano após ano sem gerar indignação equivalente. Essa reflexão se torna ainda mais atual quando, coincidentemente, descubro que a Boate Kiss foi justamente tema de uma piada feita pelo humorista Léo Lins, recentemente condenado a mais de oito anos de prisão por suas falas.
A piada — de extremo mau gosto, em minha opinião — dizia que no Rio Grande do Sul faz tanto frio que, quando uma boate pegou fogo, muita gente nem quis sair: preferiu ficar “no quentinho”. O riso, nesse caso, escancara o que há de mais insensível no humor que não conhece limites éticos. E ainda assim, sigo me perguntando: quantos dos responsáveis diretos por aquela tragédia estão presos hoje?
A resposta é tão dura quanto reveladora: nenhum. Mais de uma década depois, a maioria dos condenados está solta. Recursos, anulações, tecnicalidades jurídicas. A responsabilização por 242 mortes não foi concretizada. Enquanto isso, um humorista é sentenciado com rigor por palavras — repulsivas, sem dúvida, mas palavras.
Sempre houve racismo. Sempre houve discriminação. Capacitismo, homofobia, misoginia. Essas práticas não surgiram de uma piada, e tampouco desaparecerão se apagarmos um show de humor da internet. Ainda assim, parece que o palco incomoda mais do que o silêncio cúmplice de quem normaliza essas violências no cotidiano.
Não se trata aqui de defender o humorista. Sua fala, especialmente sobre a Boate Kiss, revela mais do que sarcasmo: revela indiferença à dor humana. Mas também não se trata de ignorar uma outra indiferença — muito mais perigosa e persistente —: a do sistema que pune a palavra e absolve o ato. Que silencia quem denuncia a impunidade, como no caso do canal Não Foi Acidente, temporariamente banido do Instagram por incomodar com verdades. Que pune o que é dito, mas tolera o que é feito.
Seja no riso cínico ou na denúncia direta, o incômodo que certas falas causam tem provocado reações mais duras do que os crimes que essas falas tentam, muitas vezes, expor. E isso nos revela algo essencial: o problema não está apenas na linguagem usada, mas naquilo que ela escancara — e que preferimos não ver e silenciar.
Uma sociedade que prefere julgar o comediante com mais rigidez do que os responsáveis por 242 mortes ou por milhares de vidas perdidas no trânsito precisa repensar suas prioridades. A justiça não pode ser mais eficiente contra o verbo do que contra a violência.
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