ENTRE O PROGRESSO E O APEGO: DE SOLUÇÃO A OBSTÁCULO
- Rodrigo Vargas
- 12 de mai.
- 2 min de leitura

Não há dúvidas de que ele ainda é um dos itens mais cobiçados em nossa sociedade. Mas isso nem sempre foi assim... Quando o automóvel surgiu, no final do século XIX, ele foi recebido com olhares desconfiados. Em algumas cidades, leis insólitas exigiam que um homem caminhasse à frente do veículo segurando uma bandeira vermelha para avisar os pedestres e acalmar os cavalos assustados. Os médicos alertavam para possíveis danos à saúde. Os religiosos questionavam sua moralidade. Cocheiros, fabricantes de carruagens e empresários do setor ferroviário viam nele uma ameaça aos seus meios de subsistência.
Era, afinal, uma máquina barulhenta, veloz e imprevisível, que subvertia a ordem estabelecida. O conservadorismo da época resistia à ideia de substituir o cavalo — símbolo de tradição, elegância e controle — por um motor de combustão que deixava rastros de fumaça pelas ruas de paralelepípedos.
Mas o tempo é impiedoso com as tradições. O automóvel não apenas sobreviveu: triunfou.
Poucas invenções transformaram tanto a sociedade. O carro encurtou distâncias, remodelou cidades, dinamizou economias, ampliou a autonomia individual. Com ele, surgiram estradas, bairros afastados, feriados prolongados, trilhas sonoras embalando paisagens pela janela. Dirigir tornou-se mais que um ato funcional — virou um ritual de liberdade, conquista e identidade.
Por décadas, o automóvel representou o auge da modernidade. Tornou-se fetiche, objeto de desejo, troféu. E com isso, sedimentou-se em nossa cultura com a força de uma religião. Mas agora, mais de um século depois, esse símbolo de progresso começa a se comportar como um obstáculo. Esse paradoxo ficou evidente para mim ao assistir a uma campanha publicitária genial da BMW:
Vivemos uma era em que a tecnologia já permite alternativas mais eficientes, limpas e racionais. Bicicletas elétricas, mobilidade compartilhada, carros autônomos, transportes coletivos de alta performance. Já se fala até em viagem orbital — e não apenas na ficção. A inovação não é mais um desafio técnico: é uma barreira cultural.
O automóvel, que nos deu movimento, agora nos prende. O que antes era solução tornou-se entrave. O espaço urbano foi capturado por sua lógica; nossas escolhas, condicionadas por sua presença. A transição para um modelo mais sustentável e inteligente esbarra não na engenharia, mas no afeto — na simbologia profunda que o carro carrega.
A humanidade talvez não esteja pronta para dar adeus ao volante. Não por falta de tecnologia, mas por apego — por uma saudade antecipada de algo que ainda não conseguimos abandonar.
Comments