Ontem foi dia de revisão dentária – o consultório fica na rua Almirante Delamare, ou a rua do Pórtico aos mais íntimos. A quem ainda não localizou a rua ela fica paralela à rua Mario Totta, entre a Wenceslau Escobar e a rua Prof. Mariath. Terminada a consulta rumei na direção da parada esperar o ônibus linha “Juca Batista” que transita bem próximo onde atualmente vivo.
Quando o transporte surgiu, rapidamente ingressei e para surpresa era um dos poucos passageiros. Aproximo da roleta e recebo aquele sorriso matinal afável como se amigo fosse do “cobrador” a longa data. Disponibilizei o cartão TRI no local apropriado e eletronicamente foi oferecida permissão para passar. “Bom dia para o senhor!” (sorridente pronunciou o novo amigo).
“Bom dia”; respondo surpreso e contente caminhando na direção do banco próximo à roleta onde ocupei o assento (me ajeitando obviamente no local destinado aos idosos).
E a partir daquele momento em cada “parada” do transporte coletivo e a toda pessoa que adentrava ocorria uma infestação de gentileza, digna da recepção em hotel 6 estrelas (é só minha imaginação funcionando).
Um festival de:
“Bom dia”; “oi como vai?”; “e daí, tudo bom?”, “olá seu fulano, tenha um bom dia”; “oi dona beltrana, como está à senhora?” (uma metralhadora comportamental cuspindo boas maneiras para todos os lados).
Há um detalhe adicional:
- O motorista atuava como “discípulo” do cobrador, pois quando a porta da frente abria, de pronto o profissional do volante referenciava o usuário com um imponente: “Boommm diiiiaaaa!”.
E assim fui reparando a dupla aspergindo “gentilezas” até chegar ao meu destino (momento que o ônibus já estava lotado). Aos que desceram nas paradas anteriores à minha, o tratamento não ficava em déficit com os anteriores por momento algum:
- Tenha um bom dia; “cuidado com os degraus; “vamos deixar o amigo chegar à porta, por favor; colaborem com a descida da nossa amiga; (sintoma singular de um elegante comportamento civilizado).
Bem, sem dúvida este deveria ser o modelo de conduta amplamente copiado, evitando que nossas atitudes ficassem cada vez mais rudes, egoístas e ofensivas. A nossa fundamental meta deveria oportunizar novos padrões de comportamento, pois, desta maneira, provavelmente seríamos conduzidos a viçosos jeitos de ser! (concordam?) Por que não podemos desfrutar de uma mobilidade urbana como dos países realmente desenvolvidos?
Acredito que a resposta possa ser: Porque não temos nem cidadãos e nem gestores como dos países desenvolvidos (lá as leis urbanas são respeitadas e cumpridas, mas aqui as atitudes são esfarrapadas cotidianamente). Começando pelo hábito da “gentileza” que pode ser definido como a capacidade de perceber a necessidade de alguém e/ou retribuir algo que lhe foi feito, sem ser pedido.
Penso ao contrário do que muitos pensam. A gentileza não deveria ser escolha, mas sim um instinto natural do ser humano. Mas o que vemos todos os dias, infelizmente, não é isso; as pessoas aprenderam a ser egoístas e escolhem agir deste modo na maioria das situações (sim! O egoísmo é uma escolha)
E o principal vilão, sem sombra de dúvidas, é o “individualismo” – originado por causas diversas -, impedindo que os indivíduos sejam pessoas felizes dedicando ao próximo de forma desinteressada. Ser afetuoso com alguém, elogiar um trabalho bem-feito, cumprimentar o outro, ajudar sem desejar nada em troca, ensinar os filhos a conceder o lugar para aqueles com necessidades especiais nas filas ou no transporte, ajudar a quem precise atravessar a rua, dizer “por favor” e “obrigado” (sim, são sinais evidentes de que a convivência urbana pode ser menos medonha).
A falta desses hábitos na sociedade não seria sintoma da falência moral? Resultando no abalo do princípio da cidadania, por não compreender a importância da ajuda e da colaboração do outro na nossa existência? (a escassez deste entendimento é como a “serpente” que estrangula a si própria ao se enrolar)
Precisamos urgentemente da “apreciação” e do “exame responsável” a estes numerosos abusos que habitam na falta de gentileza. O cumprimento das regras de bom convívio continua adormecido, então que abram as prisões da ética e libertem a boa educação colocando grãos de boas maneiras nas atitudes de todos.
Cito o reclame social da “falta de bons modos” da sociedade, pois exigir “atitudes sociais corretas” – daqueles que não apresentam -, é necessário, pois existe aquele cidadão que merece receber uma advertência, há aquele que pede e até aquele que iria melhorar socialmente com “ela”. Bem sei que não estamos prontos para ter paz na sociedade, porque ainda vivemos a plantar guerra nas vias públicas e nas interações urbanas (queríamos colher o quê?)
A falta de educação é um dos tipos de “ignorância”, mas suas motivações são consideradas normais na vida dos habitantes dos grandes e pequenos centros urbanos – como vemos cotidianamente no nosso bairro -, e os cidadãos e as autoridades governamentais muitas vezes não a tratam com a devida prioridade (o cinto nacional das “boas maneiras” deveria ser apertado – e reapertado incessantemente).
A imprensa, a comunidade, a Escola, as Igrejas e mesmo os órgãos responsáveis nem sempre parecem motivados no sentido de buscar uma solução eficaz para esse tema. Nem atingimos este mínimo de conscientização que é de importância indiscutível neste momento, estamos olhando a situação dos “maus hábitos” da conduta coletiva através de um buraco na parede, quando na verdade poderíamos sair e contemplá-los a céu aberto (mas ainda há esperança de transformar o veneno em néctar).
Certas atitudes, como os anticoncepcionais, que liberaram a “mulher” dos religiosos e cidadãos extremistas, são por vezes animadoras... (como deste cobrador e do motorista de ônibus) o que faz escancarar as comportas da “possibilidade”.
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