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A TRAGÉDIA QUE NÃO ACEITAMOS NOS CÉUS, MAS TOLERAMOS NAS RUAS

Air India
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

No último dia 12 de junho, o mundo acompanhou, estarrecido, o acidente do voo Air India 171, que caiu poucos minutos após a decolagem em Ahmedabad, matando mais de 240 pessoas. A aeronave, um moderno Boeing 787 Dreamliner, teve perda total e se tornou o pior desastre aéreo da Índia em décadas. O impacto foi ainda maior pelo histórico de segurança do modelo envolvido — nunca antes uma tragédia dessa magnitude havia sido registrada com ele.

Sempre que um avião cai, a comoção é generalizada. E não é para menos. O céu ainda carrega em si o simbolismo do desconhecido, da falta de controle, do abismo sem escapatória. No entanto, a razão pela qual um acidente aéreo nos choca tanto não está apenas na altura do tombo — mas em sua raridade.

Como abordei no artigo "Piloto automático: ainda há mistérios entre o céu e a terra", o transporte aéreo é, de longe, o mais seguro do mundo. E não é por acaso. Há inúmeros fatores que contribuem para isso:

  • A formação rigorosa dos pilotos, que passam por avaliações periódicas, inclusive psicológicas e de simulação de risco real.

  • A manutenção preventiva e obrigatória das aeronaves, com prazos definidos e rastreabilidade minuciosa.

  • O monitoramento contínuo por múltiplos sistemas e agentes, antes, durante e depois de cada voo.

  • E talvez o mais importante: a cultura da segurança acima de qualquer custo.

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Agora, imagine a seguinte situação: se antes de decolar, o comandante do seu voo anunciasse que aquela aeronave não passa por revisão há 15 anos, você voaria tranquilo? E por que aceitaríamos, com naturalidade, que milhares de motoristas sigam conduzindo veículos pesados por nossas ruas, todos os dias, com esse mesmo tempo sem avaliação?

Nesse contexto, é quase inimaginável pensar que um avião possa voar por 15 anos sem qualquer tipo de revisão. A mera hipótese de que isso aconteça já seria suficiente para cancelar voos e suspender companhias inteiras.

Mas eis que no Brasil, como se não fosse suficientemente ruim o que a Câmara de Deputados alterou a partir do Projeto de Lei 3267/2019, em 2025, discute-se seriamente a possibilidade de permitir que motoristas fiquem exatamente 15 anos sem qualquer reavaliação, se tiverem menos de 50 anos de idade. Isso mesmo.

É o que propõe o Projeto de Lei 2635/24, de autoria do deputado Áureo Ribeiro (Solidariedade-RJ). A proposta altera o Código de Trânsito Brasileiro e estende a validade da CNH para:

  • 15 anos para condutores com menos de 50 anos;

  • 10 anos para quem tem entre 50 e 70 anos;

  • E 5 anos para os acima de 70.

A justificativa é, mais uma vez, “desburocratizar” e “facilitar a vida do cidadão”. Mas a que custo?

Estamos falando de um sistema de transporte em que mais de 90% dos acidentes são causados por falha humana. Um sistema em que morrem cerca de 30 mil pessoas por ano nas ruas e estradas brasileiras, além de outras centenas de milhares de feridos.

Diante disso, é no mínimo contraditório que a "peça" mais instável de todo esse sistema — o ser humano — seja justamente a que menos passa por revisões. Aceitamos que motoristas envelheçam, adoeçam, desenvolvam dependências, sofram traumas ou percam habilidades cognitivas sem que, por 15 anos, ninguém os observe, avalie ou os prepare novamente para a tarefa de conduzir um veículo.

No céu, não aceitamos negligência. No asfalto, parece que sim.

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2 Comments

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Mais uma reflexão de altíssimo nível, Rodrigo!


Parabéns!!!

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Muito obrigado por prestigiar!

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